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Artigo - Registros sobre Registros #65 

Publicado em: 16/08/2017
  •  (Princípio da legalidade -Vigésima-quarta parte)
  • Des. Ricardo Dip
  • 453.         Passemos agora a examinar, ainda que brevemente, o capítulo da qualificação registral dos títulos judiciais.
  •                 Define-se título judicial tanto a causa jurídica (título em sentido material) −ato causativo idôneo a uma inscrição no registro de imóveis−, quanto o instrumento (título em sentido formal, documento escrito e solene que contém e expressa o título material), ambos, causa e instrumento, provenientes de órgãos do Poder judiciário.
  •                 São instrumentos de origem judicial suscetíveis de aceder ao registro imobiliário os traslados de autos, as cartas de sentença, as cartas arbitrais, as cartas de adjudicação e de arrematação, os formais de partilha, os mandados, as certidões, os autos, os termos e (controversamente) os ofícios.
  •                 Já por seu aspecto material, os títulos judiciais podem ser (i) propriamente jurisdicionais (é dizer, oriundos de jurisdição contenciosa), (ii) de jurisdição voluntária e (iii) de jurisdição administrativa.  Melhor trataremos deste assunto, adiante, sobretudo quanto à distinção entre as duas últimas espécies, mas, por agora, convém referir ao menos que, ao revés do que se passa com o título originário de jurisdição voluntária, o resultante de jurisdição administrativa pode revogar-se ou alterar-se em via jurisdicional contenciosa.
  • 454.         Não parece haver dissídio doutrinário em que os títulos judiciais se submetam à qualificação registral (neste sentido, p.ex., na doutrina estrangeira, brevitatis studio, Hernández Gil, Roca Sastre, Lacruz, Cossío y Corral, Cano Tello, Chico Ortiz, Martínez Santos, García Coni, Scotti, e, entre nós, por todos, Afrânio de Carvalho e Serpa Lopes).
  •                 Para o quadro brasileiro, as normas dos arts. 222, 225 e 226 da Lei n. 6.015/1973 (de 31-12), nisto que mencionam expressamente requisitos para os títulos judiciais suscetíveis de registro, implicitam a pertinência −mais que isto, a exigência− de sua qualificação.
  •                 Todavia, coisa diversa −e já aqui conflituosa− é estabelecer a compreensão com que, no registro brasileiro, deva considerar-se a qualificação dos títulos judiciais, especialmente à míngua de uma normativa posta explícita que, adicional às indicações acima apontadas, desenhem as fronteiras de um território que, reconhece-se, é inçado de riscos, por tanger a questão do exercício jurisdicional.
  • 455.         De toda a sorte, quando, em 1991, no XVIII Encontro dos Oficiais de Registros de Imóveis do Brasil −certame este que se realizou na capital das Alagoas e chamou-se Encontro “Elvino Silva Filho”−, repete-se: quando, em 1991, em Maceió, o tema da qualificação registral mereceu largos debates, ali se concluiu em que há quatro pontos fundamentais para demarcar o exame dos títulos de origem judicial, quais sejam:
  • (i)            o da competência judiciária,
  • (ii)           o da congruência entre o título formal e o material apresentados ao registro;
  • (iii)          o dos obstáculos registrais; e
  • (iv)           o das formalidades documentárias.
  •  456.         Quanto ao primeiro tema, o da competência da autoridade de que resulta o documento judicial objeto, a qualificação registrária deve limitar-se ao âmbito da incompetência absoluta, não se estendendo, pois, à relativa, porquanto esta é do interesse primacial das partes (no processo) e, ademais e bem por isto, prorrogável (veja-se, para o caso brasileiro, o que dispõe o art. 65 do Código de processo civil de 2015).
  •                 Diversamente, a incompetência absoluta, que principalmente atende ao interesse público, pode, por este motivo, declarar-se ex officio (parte final do § 1º do art. 64 do mesmo Código), e é exatamente porque a competência absoluta constitui um critério ditado pelo precípuo interesse público que se tem entendido caiba seu controle nos títulos levados a registro. Cuida-se aí de doutrina assente.
  • 457.         O tema registral da congruência do título com o processo judiciário de que é o documento resultante diz respeito à correlação morfológica entre, de um lado, o título formal apresentado a registro, e, de outro, a sentença, acórdão, decisão incidental ou ainda despacho a que se ligue esse documento.
  •                 Não se trata, pois, da congruência do julgado in se ou mesmo com a lei. Ao registrador, com efeito, não compete avaliar a correlação objetiva entre a demanda e o julgado (o que é matéria própria do princípio processual do dispositivo). Tampouco é atribuição do registrador aferir a harmonia do julgado com a ordem normativa: isto é questão de caráter jurisdicional, própria dos tribunais, e o registrador não possui função revisora nem rescisória das decisões judiciais.
  •                 Desta maneira, eivas como a de extrapetição, ultrapetição ou infrapetição não podem ser motivo para a qualificação registral negativa de títulos judiciários, por mais evidentes acaso se desvelem estes vícios.
  •                 O que compete, sim, à qualificação registral, é o exame da relação entre o título formado (documento) e o julgamento que o ensejou. Assim, por exemplo, não se admite a inscrição de uma penhora −assim se indique ela em um mandado− quando o título causativo que a vincule seja apenas um despacho de “cite-se”; ou ainda que se mande registrar o que uma decisão, ao revés, negou caiba inscrever-se, etc.
  • 458.         Neste capítulo, um problema que, embora teoricamente relevante, parece superável é o da propriedade documental dos títulos formais em ordem ao registro perseguido.
  •                 Um exemplo gráfico, no direito brasileiro, é o que se extrai do confronto entre a praxe da inscrição do arresto e da penhora em face da indicação específica de sua titulação na lei processual. Com efeito, é comum que o averbamento do arresto e da penhora se perfaça com apoio em mandado −quando não em mero ofício, que se toma à conta de mandado−, embora a vigente normativa codificada do processo civil, em seu art. 844, faça referência expressa à cópia do auto ou do termo da constrição. [Assinale-se, de caminho, que a admissão de que uma cópia(supõe-se: cópia simples, não certidão) possa propiciar um averbamento é já algo que refoge do entendimento frequente na jurisprudência administrativa de que os títulos acessíveis ao registro predial devam ser sempre originais].
  • 459.         Cabe aqui, ainda, considerar se o registrador pode qualificar o conteúdo de uma partilha consensual, objeto de sentença homologatória (ou seja, um título judicial de partilha amigável).
  •                 A matéria é controversa, mas parece que a sentença judiciária, quanto a essa partilha, sendo de mera homologação, não possui caráter decisório (neste sentido, veja-se, para o caso brasileiro, a decisão paradigmática do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 695.140, de que foi Relator o Min. João Otávio de Noronha). Sendo assim, seu conteúdo é apenas o do negócio jurídico ajustado pelas partes, de que segue ser a sentença anulável −e não objeto de demanda rescisória (vidē art. 657 do C.Pr.Civ.)−, o que, pois,  leva à possibilidade de o registrador qualificar o negócio jurídico objeto da mera aprovação formal judiciária.
  • 460.         Quanto aos óbices diretamente registrais (de maneira muito frequente: trato consecutivo e especialidade, além dos que se referem aos requisitos da titulação: para o direito brasileiro, arts. 222, 225 e 226 da Lei n. 6.015, de 1973), vai de si a pertinência de sua apreciação pelo registrador.
  •                 Nada obstante, a matéria apresenta suas áreas cinzentas e conflituosas.
  •                 A partir da década de 1980 sucedeu, no Brasil, com alguma frequência, que decisões da Justiça federal entendessem apartadas da interferência do Judiciário estadual −em atuação administrativa− as questões de registro relativos a títulos provenientes da órbita judiciário-federal. Ora bem, tal o indica o art. 204 da Lei n. 6.015/1973, a decisão do processo de dúvida registrária não impede o uso do processo contencioso; é verdade que, durante algum tempo, comum foi o uso pretoriano de restringir a acepção do apontado termo processo contencioso ao âmbito das ações, reportando-o, p.ex., ao mandado de segurança, às demandas demarcatórias, às rescisórias, às reivindicatórias.
  •                 Chamado a apreciar e decidir esta questão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, no objeto de conceito do processo contencioso referido no art. 204 da Lei de Registros Públicos, não se poderia excluir a decisão interlocutória relativa a um ato concreto de inscrição predial. E assim, a partir da extensão do termo processo contencioso para abranger tanto sentenças quanto decisões interlocutórias, passou a admitir-se, a meu ver com razão, a supremacia da hipoteticamente mais pálida das decisões jurisdicionais sobre a mais brilhante e admirável das decisões de caráter administrativo. Parece patente, ante a lei posta, o acerto da solução jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, porque não se pode admitir a inversão administrativista consistente em que a decisão jurisdicional sobre uma pretensão singular de registro se subordine à orientação administrativa do processo de dúvida.
  •                 Assinale-se, todavia, que, em síntese, firmou-se o entendimento de que uma decisão administrativa, ainda que de origem judiciária, não pode sobrepor-se a uma decisão jurisdicional, contenciosa, seja final, seja interlocutória, relativa a uma pretensão de registro. Vale dizer, não se extraia, além disto, que se haja recusado a possibilidade de qualificação registral do título judiciário, mas, diversamente, que, uma vez submetida uma qualificação (negativa) à decisão jurisdicional, prevaleça esta última, para nada importando que se trate de sentença ou decisão interlocutória.
  •                 Voltaremos ao tema no próximo artigo.
Fonte: iRegistradores
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