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A importância da proteção do consumidor (super)endividado

Por Diógenes Faria de Carvalho
Publicado em: 06/09/2018
Nascemos endividados. Todo novo cidadão vem ao mundo devendo no mínimo uns R$ 30 mil, contando apenas as dívidas do governo. Além disso, a Bíblia nos garante que temos a dívida do pecado original, que vamos pagando com a dureza e penúria do dia a dia.
Se partimos de uma linha de pensamento que tem por núcleo a ideia da reencarnação, podemos vir ao mundo com dívidas de vidas passadas, um carma genérico sem caderneta de poupança que totalize o saldo. Trabalhamos cinco meses por ano só para as dívidas de impostos. Daí, ainda, podemos somar as dívidas da casa própria, da água, da energia, do plano de saúde, do condomínio, do empréstimo consignado, do cartão de crédito, do cheque especial, do supermercado, da viagem de férias e por aí afora. Ou seja, somos um cabo de força por onde passa a energia monetária.
São tantas as dívidas que sobra pouco espaço para a vida plena. Parece uma maldição de significado, pois a palavra "vida" está contida em "dí(vida)". Para se viver com o mínimo de dignidade, é preciso abstrair as dívidas.
Nesse sentido que o estudo da proteção do consumidor endividado e a dignidade da pessoa humana se faz necessário para evitar a sua ruína econômica e pessoal decorrente da deficiência de informação e educação financeira quando não somos informados sobre as condições de contratação, dos custos e do impacto da dívida no orçamento familiar. Além da publicidade agressiva aliada ao hiperconsumo, alimentando a busca de uma felicidade que é vendida pela mídia e fazendo do cidadão um (super)endividado
O Brasil é hoje uma economia do consumo, do gasto, em todos os sentidos. Poupar não parece ser um valor. De onde vem esse comportamento? O Brasil passou décadas de inflação muito alta, num ambiente em que os preços eram reajustados quase todos os dias, faziam pouco sentido projetar o orçamento. Isso resultou numa geração de brasileiros que cresceu acostumada a pensar no curto prazo. No Brasil, a maior parte das dívidas são de curto prazo, como geladeira, TV e roupas.
Para um consumo intenso corresponde o recurso de múltiplas formas de financiamento. A gestão financeira apresenta-se mais elaborada porque também são os meios de pagamentos utilizados. Os cartões de crédito e de débito e os cartões de loja, com vertente de crédito, coexistem com contas-ordenado, créditos pessoais, crédito à habitação, crédito automóvel. E o crédito passa a ser utilizado tanto na compra da casa como no pagamento de cuidados de saúde, da alimentação e lazer. O multiendividamento marca a vida cultural e financeira destes indivíduos brasileiros, agora superendividados. Várias são as razões para a incidência do superendividamento no Brasil, uma vez que podemos identificar uma desregulamentação dos mercados de crédito, pois o superendividamento só existe em razão do crédito.
Observamos, também, todo um repertório comportamental em que nós consumidores temos a tendência de sempre tomar decisões subestimando os riscos e superestimando as chances de sucesso ou de reembolso do crédito no futuro, tudo isso somado à sociedade contemporânea, na qual o endividamento é fenômeno intrínseco, no qual o cidadão adquire status em sua comunidade na proporção dos bens que consome: quem tem mais é mais! E a busca por status é parte integrante do rol das necessidades do ser humano, que alguns mais, outro menos, perseguindo ao longo de sua existência.
O superendividamento trata-se de um estudo multidisciplinar, pois envolve o processamento de informação, que contempla a análise das emoções, atitudes, memória e processos conscientes e inconscientes, a teoria da decisão comportamental, integrando o neuroeconomia, a escolha intertemporal, os modelos de decisão, bem como a teoria da cultura do consumidor.
Proponho que olhemos para os comportamentos econômicos e avaliemos se o “sistema” de insolvência do consumidor pode vir a afetar os incentivos e as atitudes para reduzir o problema de superendividamento, antes que ele surja, pois a inexistência de regulamentação legal e os projeto de lei que tramitam no Senado pareçam virtualmente ineficazes em afetar o lado da demanda do consumidor de crédito.
Os comportamentos econômicos oferecem convincentes vieses nesta tendência dos consumidores em acumular muito débito quando liberadas as amarras das restrições legais. Muitos insights comportamentais são relevantes para uma análise do superendividamento do consumidor, e de como tratar esse superendividamento. Por exemplo, descobertas comportamentais indicam que os consumidores são "presas" dos benefícios momentâneos, enquanto ignoram custos futuros, uma vez que encontramos dificuldades de trabalhar com compensações futuras.
Nesse sentido, o crédito sob a ótica comportamental, mental e emocional apresenta uma característica especial, uma vez que nós consumidores temos preferências por ganhos imediatos a ganhos diferidos no tempo e como, no sentido oposto, as perdas adiadas são preferidas às imediatas. Endividar-se ou tomar um crédito permite ao consumidor ter "agora", ou imediatamente, mas, pagando por isso (juro), faz com que o valor final da recompensa seja menor, porque mais caro. Daí, percebe-se que a teoria comportamental importa nova legitimidade para a proteção social do consumidor. Legitimar a proteção do consumidor, prevenindo o superendividamento de pessoa física, tanto na conciliação de todos os credores quanto na uniformização dos riscos que ele corre ao contrair tais dividas. Essa proteção apenas reforça a necessidade de uma lei mais evoluída e mais humanizada.
Percebemos o quão fundamental é uma abordagem comportamental do Direito; e como a revisão das leis torna-se eficaz em se tratando de uma política nacional de defesa do consumidor. Além da revisão das normas consumeristas brasileiras, a utilização da Psicologia representa um enorme avanço no que diz respeito ao fundamento da vulnerabilidade e da proteção da dignidade do consumidor (super)endividado.
Diógenes Faria de Carvalho é advogado no Velasco, Vellasco & Simonini Advocacia e professor na Universidade Federal de Goiás (UFG), na PUC Goiás e na Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Pós-doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Psicologia pela PUC Goiás e mestre em Direito Econômico pela Universidade de Franca (Unifran), além de membro-diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).
Fonte: Conjur
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