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Artigo - Excertos entre o passado e o futuro da atividade Notarial e Registral – Por Alexsandro Silva Trindade

Publicado em: 30/05/2017
É da essência das atividades Notarial e Registral propiciar estabilidade e segurança às relações jurídicas através da qualificação técnica e da prudência, esta sob o viés acautelatório e sob o critério do saber jurídico como ensina o Des. Ricardo Henry Dip.[i]

A história das notas e dos registros confunde-se com a história e evolução do direito e da sociedade. A atividade notarial afigura-se como atividade pré-jurídica que nasceu da necessidade social de segurança, certeza e estabilidade nas relações interpessoais e jurídicas propriamente ditas. O tabelião exsurge como o agente confiável para perpetuar no tempo os negócios privados, para assegurar os direitos ali derivados (segurança jurídica dinâmica). A atividade registral em suas diversas vertentes, tem como finalidade precípua conferir segurança jurídica através da publicidade (finalidade próxima) ao setor que se tutela (imóveis, títulos e documentos, pessoas jurídicas, pessoas naturais etc).

Evidente, a confluência e a ligação intermitente entre as atividades registrais e notarial. Confluência essa, no Brasil, reafirmada pela delegação estatal, erigida pelo Poder Constituinte originário no artigo 236 da Constituição da República , fundada na meritocracia “pelo exercício em caráter privado, por delegação do Poder Público”, cujo comando constitucional foi regulamentado pela Lei n. 8.935/94 que definiu que “notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

As atividades notarias e registrais moldaram e foram moldadas pelas necessidades sociais, e sempre estiveram “linkadas”, no presente, com o passado e com o futuro. Essa é uma realidade que sempre se mostrará preponderante para o desenvolvimento e evolução da atividade. Deve-se transitar, a todo o momento, entre a tradição, os conceitos firmes e princípios notarias e registrais, sempre relevantes e a serviço da comunidade, sem, contudo, perder de vista que seu papel finalístico é atender às necessidades da sociedade de modo eficiente e seguro. O conceito de eficiência e excelência na prestação do serviço é dinâmico e deve ser analisado em sua conjuntura contemporânea.
Oportuna, nesse cenário complexo  e fragmentário entre passado e futuro, é a Parábola de Kafka:

“Ele tem dois adversários: o primeiro acossa-o por trás, da origem. O segundo bloqueia-lhe o caminho, à frente. Ele luta com ambos. Na verdade o primeiro ajuda-o na luta contra o segundo, pois ao empurrá-lo para frente, e, do mesmo modo, o segundo o auxilia na luta contra o primeiro, uma vez que o empurra para trás. Mas isso é assim apenas teoricamente. Pois não há ali apenas dois adversários, mas também ele mesmo, e quem sabe realmente de suas intenções? Se sonho, porém, é em alguma ocasião, num momento imprevisto – e isso exigiria uma noite mais escura do que jamais o foi nenhuma noite –, saltar fora da linha de combate e ser alçado, por conta de sua experiência de luta, à posição de juiz sobre os adversários que lutam entre si.” [ii]

Os tempos atuais evidenciam uma verdadeira metamorfose para a instituições cartoriais. Não que na história não se tenham vivenciados outros momentos de cisão, de estudos de novos rumos e de ousadia pelos profissionais das notas e dos registros. No entanto, a contemporaneidade é movida pela volúpia do imediatismo, que nem sempre pode ser confundida com eficiência e excelência dos serviços prestados, se destituídas de mecanismos de estabilidade e concretizadores da segurança jurídica das relações ou fatos jurídicos que se apresentam.  Talvez ai a pedra de toque, o desafio que se apresenta: ser eficiente e prestar serviços com excelência do ponto de vista qualitativo e quantitativo, sem perder de vista o primado maior da segurança jurídica.

A sociedade contemporânea experimenta uma fase de acentuada complexidade das relações  interpessoais. A velocidade de propagação e a facilidade de acesso à informação supera a capacidade humana de acompanhar os acontecimentos. O receptor se vê bombardeado a todo momento, todos os dias, por um turbilhão de informações sem que tenha possibilidade de dimensionar a confiabilidade da fonte, a integralidade e a veracidade da informação. Portanto, as pessoas são expostas e levadas a formação de juízo crítico sobre diversos assuntos, sem, contudo, verificar a higidez das premissas estabelecidas pelo interlocutor difuso que os propaga.

A conjuntura atual coloca em interação permanente a tecnologia da informação e técnicas comunicação e marketing. O marketing nas mídias sociais impacta todas as área da organização; vai muito além do tradicional departamento de marketing e da visão segmentada de difusão de uma mensagem controlada e emitida de modo unidirecional a ser recepcionada pela comunidade.[iii] Já nas mídias sociais e nas diversas comunidades, e isso não fica adstrito apenas às redes sociais propriamente ditas, não existe um ponto nodal emissor, e sim vários emissores não comuns que difundem a informação, recebem e apresentam, dividem e propagam, de forma voluntária entre vários pontos (difusos); não há emissores ou receptores uníssonos.

ão se olvida que um dos temas mais relevantes, senão o mais relevante, das mídias é a criação e propagação de notícias e informações falsas pelas redes sociais. Busca-se incessantemente, por hora sem sucesso aparente, soluções para aferição a confiabilidade e integralidade de notícias disponibilizadas na rede. O ambiente é fértil para a disseminação de discórdias, notícias e produtos maliciosos, fraudes, de contrapropaganda etc. O que se tem de concreto é que não se consegue de fato alcançar um mínimo de precisão. Em outras palavras: “não se consegue separar o trigo do joio”.

A sociedade molda-se às novas tecnologias e às facilidades por ela proporcionadas. É sedutora a instantaneidade com que se tem acesso a um arcabouço enorme de informações com poucos cliques, toques no teclado ou tela dos equipamentos disponíveis no mercado.

São diversas as plataformas que se apresentam; várias outras são apresentadas como se fossem uma verdade inexorável e um futuro que deixará de moldar a estrutura econômica, para então substituir o modelo vigente.  Propaga-se nas mídias sociais que novos modelos estruturados sob as Blockchain representarão o futuro das relações negociais, interpessoais e até governamentais, a começar pela adoção de moedas virtuais, a exemplo da bitcoin, e da eliminação de intermediários nas cadeias de consumo e de verificação de autenticidade e protocolo de informações.

Ainda que tudo se mostre bastante nebuloso e incerto, principalmente por figurar como linguagem e linguajar de programação, estabelece-se um primado de segurança jurídica e de autenticidade de informação, protocolos e fatos que fogem à realidade. Parte-se, quase sempre,  de premissas equivocadas – principalmente no que se lê da aplicação da tecnologia da blockchain às atividades notariais e registrais – para proporem um modelo ideal substitutivo, intitulado de baixo custo e seguro, face ao não atendimento do novo nível de demandas e da burocracia que representam os Cartórios. Ocorre que esses argumentos, na maioria das vezes, baseiam-se em premissas falsas já supridas no dia a dia dos serviços extrajudiciais. Ademais, todas as construções e argumentos apresentados omitem ou desconsideram por completo a importância da qualificação registral e notarial.

Isso fica evidente na matéria em que o The Economist afirma:

“As blockchains possuem uma série de usos porque elas atendem a necessidade de um registro confiável e verificável, algo vital para transações de qualquer tipo. Muitas start-ups esperam se capitalizar em cima da tecnologia blockchain, seja criando soluções inteligentes que utilizem a Blockchain do bitcoin ou criando novas blockchains”.[iv]

A matéria prossegue no sentido de que “a popularização das blockchain pode ser uma má notícia para aqueles que estão nos negócios de verificação de propriedade, como são os casos das instituições centrais de burocracia, como os bancos, as casas de liquidação, autoridades governamentais e até os cartórios”. Por fim, finca-se a conclusão de que “mesmo que alguns bancos e governos estudem a tecnologia, outros agentes irão certamente lutar contra[v]”.

De outro lado, tem-se que admitir que as próprias atividades notarial e registral ainda não são capazes de entender se haverá impactos, quais serão as mudanças e quais são os riscos a que estão expostas. Por primeiro, por mais óbvio que pareça, situa-se a compreensão de que demandas sociais e de mercado devem ser estudadas e objeto de planejamento estratégico para serem supridas. Deve-se reduzir os espaços e argumentos que possam ser encampados pela administração pública, através de atos normativos, e pelo Poder Legislativo, por restar evidente que o sistema extrajudicial é seguro e eficiente, e que desnecessário aventurar-se em devaneios. Por segundo, tem-se que reconhecer que sem a noção de unidade e de comprometimento de todos os componentes da atividade esse estágio dificilmente será alcançado.

Esse é o terreno instável em que se situam os diversos setores da economia e da sociedade. A exigência de atualização e de respostas rápidas é um imperativo da sobrevivência de qualquer atividade que atue no campo da iniciativa privada. Entretanto, sob a ótica das atividades notarial e registral este cenário é ainda mais complexo, posto que enquanto na economia de mercado e da livre concorrência, os negócios acabam por expurgar aqueles que não busquem alternativas de excelência que atendam aos anseios sociais, sem contudo atingir a cadeia produtiva ou econômica, a atividade delegada deve ser compreendida em sua unidade – conjunto de todas as serventias – independente de sua especialidade e de sua localização geográfica. Aqui a prestação de serviço ineficiente por um ou alguns comprometem o conjunto da classe.

A questão não se cinge em tentar a todo custo afastar e obstaculizar o desenvolvimento de novas tecnologias, tampouco de afoitamente concluir que esse é o futuro inexorável que se apresenta e que nada resta a fazer, ou, ainda, que esse é o futuro da atividade extrajudicial sem qualquer outra alternativa. Entre o paraíso e a terra devastada há um campo fértil para o estudo, análise e compreensão, que deve ser realizado com responsabilidade, com os olhos voltados para o futuro, sem desviar-se dos primados da segurança e estabilidades das relações sociais, e com a mente desarmada e aberta.

A realidade organizacional e financeira entre as especialidades, e a localização geográfica mostra-se como um entrave quase que intransponível na busca do tratamento uniforme almejado. Agrava-se a situação à medida em que se conclui que, dada a autonomia gerencial isolada de cada unidade e da falta de um centro hierárquico comum, as serventias tornam-se verdadeiras “ilhas dissociadas do senso de comprometimento coletivo” e afetam o desenvolvimento e o planejamento do futuro a serem estudados e trilhados pela atividade pública e direcionada aos anseios e necessidades sociais; o que nunca se pode perder de vista. Em outras palavras, a unidade e excelência da atividade delegada não serão alcançadas se elos –  ou melhor, as  ilhas – não a comporem de fato e não compreenderem o espírito corporativo.

Diante do que se viu até o momento, parece evidente que o futuro da atividade notarial e registral passa indubitavelmente pela estruturação de uma esfera interativa composta por três temas relevantes: - autorregulação; tecnologia de informação; - marketing.

ob a égide da autorregulação é necessário frisar que não se propõe a sub-rogação ou se imiscuir na atividade fiscalizatória atribuída ao Poder Judiciário, e que figura como ente de hetero-regulação. Deve-se sim, pretender a valorização de discussões, debates e da transigência recíproca, própria de uma atividade que deve leniência ao sentimento de corpo unitário, e que objetive o desenvolvimento geral dos serviços, o atendimentos das demandas sociais e da economia, com a excelência que se espera. Noutras palavras, é a alteração do plano e centro de decisões refletidas e do planejamento estratégico. Uma verdadeira quebra de paradigma organizacional que rompa a visão estanque, “das ilhas que se formaram e que se formam”, que podem comprometer a unidade e o desenvolvimento das atividades extrajudiciais.

É inegável que essa propositura impende um grau de maturidade institucional e de um senso interno de corporativismo bastante elevados. O ex-desembargador José Renato Nalini, com a precisão e sensibilidade que lhe são peculiares, é preciso ao discorrer sob esse aspectos:
“Se as pessoas ou grupos não se mostrarem aptos a resolverem seus problemas, sempre serão entes subalternos, imaturos, puerilizados e insuscetíveis de crescer. Nunca atingirão o estágio possível para quem acredita na perfectibilidade do espírito humano. Nunca alcançarão a plenitude de suas potencialidades”.[vi]

 Prossegue o renomado autor:

“Tais ponderações, válidas para uma concepção geral de auto-regulação, tornam-se vitais para os registradores e notários. Pois o controle intrínseco, espontaneamente exercitado, poupará a intervenção do Estado-juiz na sua função correcional. Sempre traumática, assim como a História tem evidenciado”.[vii]

No tocante ao marketing, principalmente diante da premissa estabelecida de interação permanente com as tecnologias da informação, deve-se ter a humildade de reconhecer que sempre se fez pouco uso dessas ferramentas. Nos dias atuais, propaga-se que a comunicação tradicional – aquela que veicula mensagem de forma unidirecional – restou superada pela força da comunicação em rede. Pois bem, apregoa-se que a publicidade tradicional está em vias de ser superada e a atividade extrajudicial dela sequer fez uso.

Não há, no entanto, motivo para desatinos ou para fomentar aforismas pessimistas; conquanto que se haja o quanto antes. Parece precipitada a afirmação daqueles que defendem a superação do modelo de comunicação tradicional (unidirecional), principalmente no cenário de diversidade social e econômica brasileiro. O Brasil, como se diz corriqueiramente em discussões políticas e de conjuntura social, é formado por diversos “Brasis ou Brasiles”, cada qual com sua realidade, seja ela geográfica, demográfica, de desenvolvimento social e cultural e de acesso às novas tecnologias.

 Portanto, é de se concluir primeiro que a atividade extrajudicial deve se mostrar à sociedade e se fazer entender por ela. Infelizmente até a comunidade jurídica patina na compreensão das finalidades e importância das especialidades notarias e de registros. Por segundo, conclui-se que não se pode abrir mão de nenhuma das formas de comunicação e marketing existentes. Deve-se sim, de modo responsável, e sempre pautado numa visão global da atividade, fomentar discussões, esclarecer e estar presente no dia a dia e no senso comum das comunidades brasileiras.

Já em relação às tecnologias de informação, como já afirmado, deve-se propagar uma postura proativa, detida na análise de possibilidade de mudanças, nas portas de oportunidades que se abrem e se fecham, sempre de mente aberta e sem estigmas.
As atividades notarial e registral –  nunca se pode perder de vista – nasceram e se desenvolveram pautadas na evolução do direito e da sociedade. Basta lembrar que o registro de imóveis foi inaugurado na maioria dos países sob uma organização hipotecária, diante da premente necessidade social de organização e sistematização do crédito e das garantias. O pano de fundo das mudanças que se apresentam hodiernamente não é muito diferente do que se construiu no passado, não obstante a conjuntura social e tecnológicas sejam bastante diversas.

Os desafios são grandes e demandam trabalho e comprometimento, mas não são mais numerosos, nem maiores, que as batalhas de outrora, enfrentadas e vencidas pelos antecessores e valorosos notários e registradores por esse mundo afora. Entre dúvidas e tormentas que possam fustigar um futuro próximo, que prevaleça o ensinamento de Nelson Mandela: “acena-nos um futuro promissor. É nosso o ônus de chegar às estrelas pelo trabalho árduo, a honestidade, a integridade”. [viii]
 
Alexsandro Silva Trindade é oficial de Registro Civil da

[i] DIP. Ricardo Henry. “Sobre o saber Registral. (Da prudência registral)”. Revista de Direito Imobiliário. RDI 31 e 32/7. Jan/Dez 11993.

[ii] ARENDT. Hannah. Entre o passado e o futuro. [Trad: Mauro W. Barbosa] 5ª Ed. São Paulo. Perspectiva. 1979. Pp. 28-48. [Prefácio: “A Quebra entre o passado e o futuro”]

[iii] POLO. Fernando. POLO. Juan Luis. #Socialholic. “Tudo o que você precisa saber sobre marketing nas mídias sociais”. Ed. SENAC. São Paulo. 2015.

[iv] Extraído e capturado em 09.05.2017 em: https://blog.coinbr.net/blockchain-a-maquina-de-criacao-de-confianca/

[v] Opinião atribuída a Jornal “The Independet”. Extraído e capturado em 09.05.2017 em: https://blog.coinbr.net/blockchain-a-maquina-de-criacao-de-confianca/

[vi] NALINI. José Renato. Ética geral e profissional. Ed. RT. São Paulo. 2009. pg. 488.

[vii] Op.cit. pg. 488.

[viii] Nelson Mandela. Discurso. 1996.
Fonte: Anoreg/SP
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