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Série “Um olhar sobre a adoção” - “É preciso mostrar as caras de crianças e adolescentes acolhidos”

Publicado em: 17/08/2017
O juiz Fernando Moreira Freitas da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), trabalha em Sidrolândia, cidade que fica a menos de 100 quilômetros de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Seu trabalho é focado nas chamadas "Adoções tardias" ou "Adoções necessárias", já que as crianças e os adolescentes que recebe, na maioria das vezes, têm mais de três anos de idade, possuem irmãos ou apresentam alguma doença. Justamente um público que não se enquadra no perfil de grande parte dos pretendentes à adoção.

Com o apoio de sua equipe, o juiz afirma que consegue concretizar adoções tardias empreendendo constantes conversas com os habilitados quanto à mudança do perfil. “Jogamos limpo, ou seja, abrimos os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e dizemos aos pretendentes que aquela criança sonhada e imaginada não está disponível para ser adotada”, explica. Deste modo, conforme Fernando Moreira, os pretendes têm duas opções: continuar aguardando a chegada da criança idealizada ou conhecer as crianças “reais”.

De acordo com o relatório de cadastros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente existem 228 crianças e adolescentes disponíveis para adoção no estado do Mato Grosso do Sul (MS), o que corresponde a 2,88% do total em todo o Brasil. Em contrapartida, 352 pretendentes (0,87%), dos mais de 40 mil cadastrados no País, esperam na fila para conseguir adotar. É justamente por conta dessa situação, que o município de Sidrolândia (MS) tenta mudar o perfil de adoção através do contato entre as partes.

“Entendo que é preciso abrir as portas dos abrigos brasileiros e mostrarmos as caras de nossas crianças e adolescentes acolhidos. A população não sabe quem está lá dentro e quais os seus desejos, os seus sonhos e os seus projetos de vida. Se não há convivência comunitária, quais as chances dessas crianças serem adotadas? É preciso também incentivar os pretendentes à adoção a mudarem de perfil, adequando-o à realidade das crianças e dos adolescentes dos abrigos. Mas, para isso, os pretendentes devem ter o direito assegurado de visitarem os abrigos. Não é possível admitirmos que os próprios habilitados tenham sua visita aos abrigos tolhida”, salienta.

A adoção tardia ainda é um grande tabu no Brasil. Atualmente, existem 6.199 crianças e adolescentes (entre 5 e 17 anos de idade) em situação de espera por uma família. O juiz lembra que os principais motivos que levam esse público aos abrigos são a dependência de álcool e drogas por parte dos pais e maus-tratos e abuso sexual com a participação ou conivência dos genitores.

Além disso, Fernando Moreira Freitas lista uma série de problemas que causam a lentidão do processo de adoção em nosso País:
a) Ausência de ajuizamento da ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público, havendo infindáveis tentativas de retorno da criança e do adolescente ao lar biológico;
b) Tentativas incessantes de buscar parentes biológicos com os quais a criança e o adolescente não possuem qualquer relação de afetividade, privilegiando-se os vínculos consanguíneos em detrimento dos vínculos afetivos;
c) Muitos juízes e tribunais deixam de conceder a guarda provisória para fins de adoção, no curso do processo de destituição do poder familiar, retirando da criança e do adolescente a possibilidade de convivência familiar;
d) Inúmeras possibilidades recursais sem qualquer observância ao Princípio da Prioridade Absoluta no julgamento do processo;
e) Ausência de equipe técnica (assistentes sociais e psicólogos) estruturada, nos próprios quadros do Poder Judiciário, necessitando, muitas vezes, buscar auxílio dos municípios, que já possuem suas deficiências estruturais e financeiras;
f) Por fim, o vertiginoso número de processos em trâmite no Judiciário somado à ausência de afinidade de muitos profissionais envolvidos com a causa da adoção.

Apesar disso, o juiz cita a importância do trabalho desenvolvido pelos Grupos de Apoio à Adoção, no sentido de divulgar a realidade das crianças e dos adolescentes lá existentes, o que colabora para a mudança de perfil. Ele também pede que o Poder Judiciário dê mais visibilidade aos abrigados, seja abrindo as portas das casas de acolhimento à comunidade, seja permitindo que o habilitado à adoção acompanhe sua situação no próprio Cadastro Nacional de Adoção.

Anteprojeto do Estatuto da Adoção do IBDFAM
Fernando Moreira Freitas faz questão de destacar o Anteprojeto do Estatuto da Adoção do IBDFAM, que conseguiu compilar todos os anseios existentes nos demais projetos que versam sobre a adoção no Brasil, tornando-se um texto denso e completo. “Também tive a honra de colaborar. O Anteprojeto possui uma forte carga principiológica, permitindo ao intérprete manter o sistema sempre vivo e atualizado. Contudo, também se preocupou com expressas determinações ao julgador para assegurar um processo de adoção célere e efetivo”, relata.

Dentre os principais pontos do Anteprojeto, o juiz destaca a preferência de padrinhos afetivos e famílias acolhedoras na adoção, a habilitação no curso do processo de adoção, a ampliação das hipóteses de legitimados ativos para a ação desconstitutiva da parentalidade, o merecido reconhecimento à atuação dos grupos de apoio à adoção, a possibilidade de guarda provisória para fins de adoção e o acesso aos abrigos pelos pretendentes à adoção.

Buscando Novidades
De olho em novas abordagens, Fernando Moreira participará da Confederación de Adolescencia y Juventud de Iberoamérica y El Caribe, que será realizada em Cuba, durante o mês de outubro. Trata-se de um evento interdisciplinar, que reunirá juristas, médicos e psicólogos para discutirem um assunto em comum: a adolescência sob o viés de seus direitos e de sua integridade biopsíquica.

“Levarei para o debate as adoções necessárias, os trâmites processuais adotados no Brasil para a ação de destituição do poder familiar e adoção, as experiências da Comarca de Sidrolândia (MS), bem como as perspectivas futuras em nosso País. Será uma grande oportunidade para ouvirmos as experiências estrangeiras e trocarmos ideias para a superação dos nossos obstáculos, já que a lentidão no processo de adoção não é uma realidade apenas brasileira”, conclui.

O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção**, também faz parte.
*Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.210, em 16 de agosto de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

**Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
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