O protesto extrajudicial é um dos institutos jurídicos mais modernos do ordenamento jurídico brasileiro, tendo o legislador federal reconhecido essa eficiência, sobretudo na busca pela desjudicialização, conforme se infere da norma insculpida no art. 517 do Novo CPC (protesto das decisões judiciais transitadas em julgado) e no art. 1o, parágrafo único, da Lei no 9.492/1997 (protesto das certidões da dívida ativa da União, Estados e Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações públicas).
Por outro lado, o atual Código Civil agregou um importante valor jurídico aos credores de títulos e documentos de dívida ao estabelecer que o protesto extrajudicial interrompe a prescrição, ex vi de seu art. 202, III, diferentemente, da mera “negativação direta” nas mencionadas entidades representativas da indústria e do comércio ou naquelas vinculadas à proteção do crédito, que, por óbvio, não têm o condão de interromper a prescrição. Sem embargo, em diversos Estados da Federação, a acessibilidade ao serviço do protesto de títulos estava a depender da antecipação dos valores a serem pagos aos tabelionatos, fazendo com que estivessem alijados de tal procedimento oficial diversos micro e pequenos empresários (e também pessoas físicas) que não dispunham de recursos para proceder a tal pagamento antecipado dos emolumentos. A edição do Provimento no 86, de 29 de agosto de 2019, da lavra do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro HUMBERTO MARTINS, é um marco histórico para a atividade notarial e para a economia do País, ao desonerar os mais diferentes tipos de credores que desejem utilizar a via do protesto extrajudicial. A lógica do Provimento nada mais fez do que refletir a norma do art. 325 do Código Civil (“Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação”) que se coaduna com o art. 37, parágrafo 1o, da Lei 9.492/97. A par dessa realidade normativa preexistente, cerca de 17 estados brasileiros já vinham adotando, com pleno êxito, a metodologia de postergação de emolumentos nos tabelionatos de protesto, em especial o Estado de São Paulo (a maior economia do país) há mais de 18 (dezoito) anos. Consoante o art. 2o do mencionado Provimento no 86/2019, independe da data de vencimento do título a possibilidade de postergação de emolumentos e demais despesas devidos pelo protesto de títulos e documentos de dívida provenientes de entidade vinculada ao sistema financeiro nacional, tais como Bancos e Financeiras, na qualidade de credora ou apresentante; de concessionárias de serviços públicos, na qualidade de credora, bem como dos credores ou apresentantes de decisões judiciais transitadas em julgado oriundas da Justiça Estadual, da Justiça Federal ou da Justiça do Trabalho e da União Federal, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das suas respectivas Autarquias e Fundações Públicas no que concerne às suas certidões da dívida ativa. Nesse passo, importante destacar que demais pessoas jurídicas ou pessoas físicas só terão direito à postergação de emolumentos desde que o prazo de vencimento de seu título ou documento de dívida não ultrapasse um ano na data da apresentação no tabelionato de protesto. Os credores, como no caso das entidades financeiras e dos próprios clientes do sistema bancário, não terão mais que arcar com os emolumentos e demais despesas em função da cobrança dos inadimplentes através do protesto extrajudicial em todo o País. Infere-se que como tais valores não serão mais repassados para os preços dos produtos, as taxas de financiamento terão as reduções tão almejadas e a redução do custo do crédito no Brasil estará facilitada, posto que, arcarão com esses mesmos emolumentos e despesas tão somente aqueles que derem causa ao protesto, os inadimplentes, beneficiando, destarte, sobremaneira, a grande massa dos consumidores adimplentes. Por outro lado, além do incremento da satisfação direta dos credores com a recuperação de seu crédito, toda a sociedade brasileira economiza e ganha com o sistema da postergação de emolumentos nos tabelionatos de protesto, pois cada dívida que é liquidada na via extrajudicial é menos um processo judicial de cobrança que poderia existir, fenômeno este que se convencionou denominar de desjudicialização. Mas não é só. O Provimento no 87/2019, que dispõe sobre as normas gerais de procedimentos para o protesto extrajudicial de títulos e outros documentos de dívida e regulamenta a implantação da Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto de Títulos – CENPROT, foi editado considerando: a competência da Corregedoria Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços extrajudiciais (art. 8o, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça); a obrigação dos serviços extrajudiciais de cumprir as normas técnicas estabelecidas pelo Poder Judiciário (arts. 37 e 38 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994); os princípios da supremacia do interesse público, da eficiência, da continuidade do serviço público e da segurança jurídica; a necessidade de proporcionar a melhor prestação de serviço, com acessibilidade isonômica aos usuários, e corrigir as distorções em busca da modicidade dos emolumentos, da produtividade, da economicidade, da moralidade e da proporcionalidade na prestação dos serviços extrajudiciais; a necessidade de regulamentação do disposto no art. 41-A da Lei no 9.492/1997, incluído pela Lei no 13.775/2018, que determinou aos tabeliães de protesto a criação de uma central nacional de serviços eletrônicos compartilhados; a necessidade de preservação do princípio da territorialidade aplicado às serventias extrajudiciais de protesto de títulos e a decisão proferida no Pedido de Providências no 0008754-28.2018.2.00.000. Nesse contexto, o Provimento no 87/2019 encampou a evolução tecnológica advinda da revolução da cibernética e lançou a atividade extrajudicial de protesto de títulos, verdadeiramente, no século XXI, sob a inspiração moderna da desmaterialização documental e da desburocratização procedimental ansiada pela sociedade brasileira, contando com os mecanismos de segurança, controle e fiscalização da Corregedoria Nacional de Justiça e das Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Os títulos e outros documentos de dívida podem ser apresentados, mediante simples indicação do apresentante, desde que realizados exclusivamente por meio eletrônico, segundo os requisitos da ‘Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil’ ou outro meio seguro disponibilizado pelo Tabelionato. A partir da identificação segura do apresentante e de sua responsabilidade civil e criminal, estará garantido que a dívida foi regularmente constituída e que os documentos originais ou suas cópias autenticadas, comprobatórios da causa que ensejou a apresentação para protesto, são mantidos em seu poder, comprometendo-se a exibi-los sempre que exigidos no lugar onde for determinado, especialmente se sobrevier sustação judicial do protesto. (§ 1o, do art. 2o do Provimento no 87/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça). No âmbito de sua prerrogativa de qualificação registral, os tabeliães de protesto, como verdadeiros fiscais da lei e da ordem pública, estão autorizados a negar seguimento a títulos ou outros documentos de dívida, bem como às suas respectivas indicações eletrônicas sobre os quais recaia, segundo sua prudente avaliação, fundado receio de utilização do instrumento com intuito emulatório do devedor ou como meio de perpetração de fraude ou de enriquecimento ilícito do apresentante. (§ 2o do art. 2o do Provimento no 87/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça). O §1o do art. 3o do Provimento no 87/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça, enquanto ato administrativo de efeitos externos e vinculativo não só para os tabeliães de protesto como também para os próprios usuários dos serviços, sufragou a seguinte regra geral de competência territorial para a lavratura do protesto extrajudicial em todo o território nacional: Para fins de protesto, a praça de pagamento será o domicílio do devedor, segundo a regra geral do §1o do art. 75 e do art. 327 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), aplicando-se, subsidiariamente, somente quando couber, a legislação especial em cada caso. O §2o do mesmo dispositivo, ainda, dispõe: Respeitada a praça de pagamento do título ou do documento de dívida para a realização do protesto, segundo a regra do § 1o, a remessa da intimação poderá ser feita por qualquer meio e sempre dentro do limite da competência territorial do Tabelionato, desde que seu recebimento fique assegurado e comprovado por protocolo, aviso de recebimento – AR, ou documento equivalente, podendo ser efetivada por portador do próprio Tabelião. Sobre os dispositivos supracitados destaco o posicionamento do Ministro HUMBERTO MARTINS, inserto na decisão proferida no Pedido de Providencias no 0008754-28.2018.2.00.000 e que deu origem ao Provimento no 87/2019, in verbis: O art. 15 da Lei Federal no 9.492/1997 está sistematicamente em consonância com a inteligência norteadora do art. 9o da Lei Federal no 8.935/1994 que prescreve que “o tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação” e como é de comum conhecimento, os tabeliães de protesto formam uma das espécies da atividade notarial no país. (…) A possibilidade de o credor indicar uma praça de pagamento segundo a sua mera conveniência e sem a anuência expressa do devedor, além de vulnerar este último (notadamente no caso de pessoa física), poderia propiciar a concentração de movimento de títulos em determinadas praças em detrimento de outras. Tal fato levaria, repita-se, a um desiquilíbrio econômico-financeiro das delegações dos tabelionatos de protesto do país e uma evasão de arrecadação dos próprios tribunais de justiça dos estados com a chamada taxa de fiscalização (STF, ADI 3.151), além de vulnerar a mesma fiscalização, tendo em vista a impossibilidade material de controle das intimações realizadas em seus territórios e que eventualmente seriam emanadas, remotamente, de tabelionatos de protesto submetidos a jurisdição de outros Estados. Sobre o tema da territorialidade, ressalte-se que se deve aplicar, subsidiariamente, quando couber, a legislação especial em cada caso e, obviamente e intrinsicamente, a eventual correlata decisão judicial tomada em sede de recurso repetitivo acerca de determinado título, como já foi o caso da cédula de crédito bancário, ex vi do REsp 1.344.352-SP, 2a Seção, DJe 16/12/2014, julgado conforme o rito do art. 543-C do CPC/1973. REsp 1.398.356-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, 2a Seção, julgado em 24/2/2016, DJe 30/3/2016. Conclui-se, destarte, que a regra geral da coincidência da praça de pagamento com o domicílio do devedor em muito facilita a cobrança judicial do próprio devedor, além de assegurar-lhe o exercício pleno das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Além de o Provimento no 87/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça propiciar que todas as fases do procedimento de protesto extrajudicial (tais como a desistência e o cancelamento) sejam realizados em meio eletrônico, também, determinou a criação da Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto, para prestação de serviços eletrônicos”, sendo “obrigatória a adesão de todos os tabeliães de protesto do País ou responsáveis interinos pelo expediente (..) à qual ficarão vinculados, sob pena de responsabilização disciplinar nos termos do inciso I do caput do art. 31 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994. (art. 15). A CENPROT integrará o nosso país, com suas distâncias físicas superlativas e suas regiões tão díspares entre si, propiciando acessibilidade dos usuários aos seguintes serviços: I – acesso a informações sobre quaisquer protestos válidos lavrados pelos Tabeliães de Protesto de Títulos dos Estados ou do Distrito Federal; II – consulta gratuita às informações indicativas da existência ou inexistência de protesto, respectivos tabelionatos e valor; III – fornecimento de informação complementar acerca da existência de protesto e sobre dados ou elementos do registro, quando o interessado dispensar a certidão; IV – fornecimento de instrumentos de protesto em meio eletrônico; V – recepção de declaração eletrônica de anuência para fins de cancelamento de protesto; VI – recepção de requerimento eletrônico de cancelamento de protesto; VII – recepção de títulos e documentos de dívida, em meio eletrônico, para fins de protesto, encaminhados por órgãos do Poder Judiciário, procuradorias, advogados e apresentantes cadastrados; VIII – recepção de pedidos de certidão de protesto e de cancelamento e disponibilização da certidão eletrônica expedida pelas serventias do Estado ou do Distrito Federal em atendimento a tais solicitações. (art. 17 do Provimento no 87 da Corregedoria Nacional de Justiça). Outra bem-vinda novidade do Provimento 87/2019 foi, sob a inspiração do moderno princípio administrativo da autotutela, o estabelecimento de que os tabeliães de protesto, ainda que representados por sua entidade escolhida, poderão realizar auditoria, com monitoramento automático do descumprimento de prazos, horários e procedimentos incumbidos aos tabeliães de protesto, atividade denominada ‘Autogestão online’ com a geração de relatórios a serem encaminhados ao juízo competente e, quando for o caso, à Corregedoria Nacional de Justiça e à respectiva Corregedoria-Geral de Justiça. Tal atuação será preventiva, com o propósito de autogestão da atividade, notificando os tabeliães que incorram em excesso de prazo ou não observância de procedimentos legais e normativos, antes do envio de relatórios aos órgãos correcionais. (art. 19 do Provimento no 87 da Corregedoria Nacional de Justiça). As Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados fiscalizarão a efetiva vinculação dos tabeliães de protesto à CENPROT e expedirão normas complementares ao Provimento no 87 da Corregedoria Nacional de Justiça, sem possibilidade de redução do seu texto. Por todo o exposto, é de se concluir que os Provimentos no 86 e no 87/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça estabeleceram, por questão de justiça e isonomia, a uniformização em todo o território nacional da metodologia de cobrança de emolumentos nos tabelionatos de protesto, garantindo-se, indiscriminadamente, o mesmo tratamento na cobrança e a possibilidade de acesso ao sistema, por meio da Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto – CENPROT, a todos os brasileiros, de norte a sul do País, no que poderíamos chamar de uma verdadeira “cidadania empresarial” (mormente, repita-se, pelo alcance dos micro e pequenos empresários, que compõem significativa parcela de nossa economia). Os referidos Provimentos atendem, ainda, à meta no 16 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelas Nações Unidas na Agenda 2030, ao “proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.” | ||
Fonte: Editora JC | ||
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