De há muito tempo o mercado e os agentes econômicos reconhecem que os tradicionais direitos reais de garantia, tais como a hipoteca, o penhor e a anticrese, entraram em desuso diante da completa ineficiência do meio judicial de execução da garantia. Nesse contexto, com o propósito de dotar o ambiente econômico de garantia real eficaz e célere é que foi instituída a alienação fiduciária em garantia no ano de 1965, através da Lei 4.728, para os bens móveis, e, em 1997, através da Lei 9.514, para os bens imóveis. A alienação fiduciária exterioriza um direito real de garantia que tem como finalidade assegurar o cumprimento do direito de crédito, e consiste no ato pelo qual o devedor fiduciante, mantendo a posse direta, transmite a propriedade resolúvel do bem ao credor fiduciário, com o escopo de garantia, sob a condição de se operar o pagamento. Como a propriedade resolúvel é da titularidade do credor fiduciário, afigura-se inadmissível que recaia penhora para garantir dívida do devedor fiduciante, ressalvando-se, contudo, a possibilidade de constrição de direitos decorrentes da alienação fudiciária em garantia (AgInt no REsp 1.485.972, relator ministro Marco Buzzi). Efetuado o pagamento da dívida, extingue-se automaticamente a alienação fiduciária em garantia, passando o fiduciante a exercer na plenitude o direito de propriedade. A utilidade da alienação fiduciária em garantia reside na previsão no Decreto-Lei nº 911/1969 e na Lei 9.514/1997 de mecanismos processuais voltados à rápida retomada do bem com vistas à satisfação do crédito, através de leilão extrajudicial. Por oportuno, é assente o entendimento de que, na hipótese de resilição unilateral do devedor fiduciante, deve ser adotado o procedimento do leilão extrajudicial segundo as regras da Lei 9.514/1997, não se aplicando o enunciado da súmula 543 do STJ (AgInt no REsp 1.823.174, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino). Sendo assim, o pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia, mediante resilição unilateral do comprador/devedor fiduciante, configura inadimplemento antecipado do negócio jurídico, devendo ser observadas as regras do leilão extrajudicial de que trata o artigo 27 da Lei 9.514/1997 (REsp 1.792.003, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva). O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 556.520-SP e do RE 627.106-PR, relatoria do ministro Dias Toffoli, decidiu, mantendo a sua jurisprudência tradicional, que "é constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial previsto no Decreto-Lei 70/66", de sorte que foi fixada abstratamente a tese de que é constitucional o modelo de execução extrajudicial de direito real de garantia consubstanciado na alienação fiduciária em garantia. Vencida e não paga a dívida, o devedor fiduciante deve ser constituído em mora, mediante notificação extrajudicial entregue em seu domicílio, conferindo-lhe o direito de purgá-la, sob pena de a propriedade ser consolidada em nome do credor fiduciário com o propósito de viabilizar a satisfação da obrigação (AgRg no AREsp 676.508, relator ministro Marco Buzzi). Em se tratando de alienação fiduciária de bem móvel, a constituição em mora pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal (AgInt no REsp 1.927.802, relator ministro Luis Felipe Salomão). De outro lado, em se tratando de alienação fiduciária de bem imóvel, diante dos efeitos que dela decorrem — purgação da mora, consolidação da propriedade, reintegração de posse e posterior leilão —, a notificação extrajudicial para a constituição em mora do devedor fiduciante deve ser realizada pessoalmente e em seu domicílio (AgInt no REsp 1.803.468, relator ministro Luis Felipe Salomão). É nula de pleno direito a notificação que não se dirigiu à pessoa do devedor fiduciante, sendo processada por carta com aviso de recebimento no qual consta como receptor pessoa alheia aos autos e desconhecida (REsp 1.531.144, relator ministro Moura Ribeiro). A notificação por edital para fins de constituição em mora pressupõe o esgotamento de todas as possibilidades de localização do devedor fiduciante, devendo o credor fiduciário promover, de forma prioritária e prévia, a notificação pessoal do devedor fiduciante. A notificação por edital afigura-se nula, quando o credor fiduciário restringe-se a promover a notificação apenas por via postal, não providenciando-a por intermédio do cartório extrajudicial (REsp 1.906.475, relatora ministra Nancy Andrighi). Isto é, é válido, para caracterização da mora, o protesto do título efetivado por edital, desde que comprovado nos autos que foram esgotadas todas as tentativas para localização do devedor fiduciante (AgRg no AREsp 357.407, relator ministro Antonio Carlos Ferreira). No procedimento de retomada de bem alienado fiduciariamente, é lícito ao magistrado ex officio efetuar o exame se houve a constituição regular da mora do devedor fiduciante, eis que a comprovação da mora é imprescindível à retomado do bem pelo credor fiduciário, a teor da súmula 72 do STJ (EDcl no REsp 1.203.163, rel. ministro Raul Araújo) A purgação da mora é um direito do devedor fiduciante que pode ser exercido até a lavratura do auto de arrematação, mediante o pagamento integral do débito, em se tratando de bem imóvel (AgInt no REsp 1.925.380, relatora ministra Nancy Andrighi), e até cinco dias após a execução da medida liminar na ação de busca e apreensão para pagar a integralidade da dívida em se tratando de bem móvel (REsp 1.742.897, relatora ministra Nancy Andrighi). Com a entrada em vigor da Lei 13.465/2017, nas situações em que consolidada a propriedade, mas não efetuada a purgação da mora, é assegurado ao devedor fiduciante o exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel (REsp 1.818.156, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino). A legislação de regência, através do Decreto-Lei 911/69, em seu artigo 3º, e da Lei 9.514/97, em seu artigo 30, dispõe que, comprovada a mora do devedor, mediante a notificação extrajudicial, deve ser concedida a medida liminar que implica a entrega do bem ao credor fiduciário para levá-lo a leilão extrajudicial (AgInt no REsp 1.828.198, relator ministro Luis Felipe Salomão). Registre-se que se trata de um poder-dever que a legislação impõe ao magistrado, de sorte que não poderá se eximir da concessão da providência liminar, quando houver a comprovação da constituição em mora do devedor fiduciante. Vale dizer, a concessão de medida liminar em ação voltada à retomada do bem pelo credor fiduciário está condicionada tão somente à mora do devedor fiduciante que deverá ser comprovada por notificação extrajudicial (Rcdesp no REsp 1.124.776, relator ministra Maria Isabel Gallotti). Assim, constituído em mora o devedor fiduciante, afigura-se, pois, imperativa a concessão de medida liminar que assegure a retomada do bem pelo credor fiduciário, sob pena de transgressão à teleologia da garantia real e aos dispositivo constante da legislação especial (AgRg no REsp 1.213.926, relator ministro João Otávio de Noronha; AgRg no REsp 752.529, relator ministro Luis Felipe Salomão). Em regra, como a legislação de regência exige, exclusivamente, a comprovação da mora do devedor fiduciante, não é lícito ao magistrado condicionar à prestação de caução a concessão de medida liminar de retomada do bem pelo credor fiduciário (REsp 854.416, relator ministro Sidnei Beneti). Afigura-se ilegal condicionar a concessão da medida liminar na alienação fiduciária à prestação de caução apenas com objetivo de garantir eventual prejuízo do devedor fiduciante (REsp 788.782, relator ministro Aldir Passarinho Junior). A propósito, a par de garantir a eficácia e a celeridade na retomado do bem em caso de inadimplemento contratual, afigura-se que já se decidiu que, inexistindo qualquer circunstância excepcional indicada pelo juízo, bastante à concessão da liminar para a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente a comprovação da constituição em mora do devedor fiduciante, sendo censurada a decisão que postergara a análise da liminar após a contestação (REsp 810.717, relator ministro Aldir Passarinho Júnior). Em situações excepcionais, admite-se a manutenção dos bens garantidores da alienação fiduciária na posse do devedor fiduciante, quando demonstrada a indispensabilidade de tais bens para o funcionamento da empresa, à luz do princípio da função social da empresa (AgRg no REsp 1.193.791, relator ministro Luis Felipe Salomão). Em importante julgamento ocorrido no último dia 16, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no REsp 1.892.589, decidiu que, na ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei 911/1969, a análise da contestação somente pode ocorrer após a execução da medida liminar. Foi consignado que o procedimento processual alusivo à alienação fiduciária em garantia deve ser célere, eis que a mora e o inadimplemento, aliados à morosidade no deferimento da providência liminar voltada à entrega do bem alienado ao credor fiduciário, são fatores determinantes para o encarecimento do crédito, de modo que o aparente rigorismo na norma é o que garante a utilidade do instituto, impedindo que caia em desuso, como ocorreu com a hipoteca. Por oportuno, a análise do Decreto-Lei 911/1969 e da Lei 9.514/1997 aponta que a legislação especial da alienação fiduciária em garantia foi estruturada com um procedimento especial que assegura, em um primeiro momento, a rápida recuperação do bem e, em uma segunda etapa, a possibilidade de purgação da mora e a análise da defesa. Além de ser reiterada a orientação jurisprudencial no STJ de que, estando demonstrada a regular constituição em mora do devedor fiduciante, a concessão da medida liminar de retomada do bem pelo credor fiduciário é providência impositiva ao magistrado. Por conseguinte, condicionar a análise de medida liminar à apreciação posterior da contestação causaria enorme insegurança jurídica e ameaçaria a efetividade do procedimento. Por isso que a mesma 2ª Seção, no julgamento do REsp 1.622.555, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, afastou a aplicação da teoria do inadimplemento substancial no regime da legislação especial da alienação fiduciária em garantia, sob pena de desvirtuamento dessa garantia real, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito que é essencial ao desenvolvimento da livre iniciativa econômica. A satisfação do crédito remanescente, ainda que considerado de menor importância quando comparado à parcela já adimplida da obrigação prevista no contrato, pode ser pleiteada pelo credor fiduciário, mediante os mecanismos processuais admitidos em lei, dentre os quais se encontra a demanda para a retomada do bem (ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei 911/1969 e a ação de reintegração de posse de que trata a Lei 9.514/1997). Assim, embora se permita a discussão da legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa em procedimento processual da alienação fiduciária (AgRg no Ag 1.209.799, relatora ministra Maria Isabel Gallotti), sendo vedada, entretanto, ao magistrado efetuar ex officio a revisão de cláusulas contratuais em ação de busca e apreensão (REsp 1.186.747, relator ministro Sidnei Beneti), a orientação adotada pelo STJ visa a emprestar efetividade e celeridade à decisão liminar, dentro da concepção de que a referida garantia real deve dispor de mecanismos processuais que asseguram a rápida entrega do bem em caso de inadimplemento contratual do devedor fiduciante. A interpretação da legislação da alienação fiduciária deve privilegiar a eficácia e a celeridade no procedimento de retomada do bem, sob pena de desvirtuamento desta importante garantia real, concebida justamente para conferir segurança jurídica ao desenvolvimento da livre iniciativa econômica. Por conseguinte, caso deseje impedir a rápida retomada do bem objeto da garantia real, o devedor fiduciante deve promover ação de revisão de contrato, e nela pleitear a concessão de medida liminar, a fim de evitar a configuração da mora contratual, eis que o simples ajuizamento de ação pretendendo revisão de contrato não obsta a retomada do bem pelo credor fiduciário, a teor da súmula 380 do STJ (AgRg no AREsp 272.721, relatora ministra Maria Isabel Gallotti). O bem alienado fiduciariamente fica sujeito à retomada pelo credor fiduciário, quando não demonstrada a abusividade dos encargos contratuais devidos no período de normalidade do contrato, possível apenas mediante a ação de revisão de contrato, sem o quê fica configurada a mora do devedor pela ocorrência do inadimplemento das parcelas previstas em contrato (AgRg no REsp 1.028.516, relatora ministra Maria Isabel Gallotti). Vale dizer, o sobrestamento da retomada de bem pelo credor fiduciário, objeto de alienação fiduciária em garantia, pressupõe a obtenção pelo devedor fiduciante de medida liminar para afastar a mora contratual ou reconhecer a abusividade de qualquer encargo cobrado no contrato, dentro da perspectiva de que o reconhecimento da abusividade de qualquer encargo cobrado no período de normalidade do contrato descaracteriza a mora, inviabilizando a retomada do bem pelo credor fiduciário. *Gleydson K. L. Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e professor da graduação e mestrado da UFRN. Fonte: ConJur | ||
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