Somente haveria a inconstitucionalidade no procedimento de execução extrajudicial se a legislação de regência impedisse ou excluísse da apreciação do controle jurisdicional, a prática dos atos do credor, o que não é o caso.
A ideia da desjudicialização da execução, é solucionar, no passar do tempo, com a nova sistemática trazida pelo PL do Senado, 6.204/19, o acúmulo de execuções no Judiciário, que representam mais da metade das ações em curso no país. E como se faria isso? Instituindo um agente de execução, o qual realizaria os atos executivos na esfera extrajudicial, mas sem afastar o Judiciário que ficaria no controle, e isto ocorrendo apenas se provocado pelas partes, desde que estas apresentassem dúvidas, ou, em consulta pelo dito agente. Tudo isso com o propósito de ter um procedimento mais célere e, assim, esvaziando o Judiciário neste tipo de demanda. E essa proposta está em sintonia com uma ideia de diminuir as demandas no Judiciário, desjudicializando os conflitos, assim, nesta ideia, teríamos um serviço mais célere e de qualidade. Isso não é nenhuma novidade, levando em conta que, nessa linha de celeridade e desjudicialização, temos leis que já tratam dessa temática há muito tempo, como a possibilidade de leilão extrajudicial na lei 9.514/97, que trata do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário, e indo mais atrás ainda com o dec. lei 70/66 que permite a execução extrajudicial no seu art. 32, quanto ao débito relativo ao financiamento para a aquisição do imóvel próprio, também com leilão extrajudicial, no SFH - Sistema Financeiro de Habitação e três anos mais a frente, no mesmo sentido, com o Dec. lei 911/69, que trata sobre alienação de bens móveis, na alienação fiduciária. E, mais recentemente, temos a lei 10.931/04, que instituiu a retificação do registro imobiliário sem a atuação do Estado-juiz, e mais outras leis como do inventário, separação e divórcio (lei 11.441/07), da retificação de registro civil (lei 13.484/17) e da usucapião instituída pelo CPC no art. 1.071 (LRP, 6.015/73, art. 216-A) Mas, saliento que, com relação as três primeiras leis que citei, temos uma garantia real e a satisfação já se implementa por conta deste diferencial, com a retomada da garantia pelo credor, o que não é o caso do PL 6.204/19, que trata da desjudicialização da execução. E de plano, importante deixar claro, que o STF já se manifestou pela constitucionalidade da execução extrajudicial, tanto no SFH, como na alienação fiduciária, há mais de 20 anos, onde fora alegado que a execução extrajudicial, do bem objeto da garantia, representaria ofensa ao acesso à Justiça e ao devido processo legal, posto que o devedor seria privado do bem sem o controle jurisdicional. E o STF, assim entendeu, pois, muito embora ocorra a execução extrajudicial, isso não impede que o devedor possa promover demanda perante ao Judiciário, com o propósito de evitar lesão ou de corrigí-la. Somente haveria a inconstitucionalidade no procedimento de execução extrajudicial se a legislação de regência impedisse ou excluísse da apreciação do controle jurisdicional, a prática dos atos do credor, o que não é o caso. E este é o mesmo entendimento para com o PL 6.204/19, pois não impede o controle do Judiciário em relação aos atos executivos, como dito mais acima, pela suscitação de dúvida pelas partes e pela consulta do agente de execução, como previsto nos arts. 20 e 21 do PL. Contudo, temos um problema neste PL, que viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, qual seja, as decisões nas consultas e nas suscitações de dúvida são irrecorríveis, conforme o texto dos §§ 2º de ambos os arts. 20 e 21, e isto confronta com a possibilidade da interposição do recurso de agravo de instrumento nas decisões em sede tanto de execução judicial, como extrajudicial, conforme previsão do parágrafo único do art. 1.015 do CPC, e, em assim sendo, o devido processo legal não seria observado. De um outro lado, na segunda feira passada, 25/4/22, na Voz do Brasil, o dep. Fed. Ricardo Silva (PSD-SP), oficial de justiça, criticou o PL 6.204/19, que, sobre o pretexto de agilizar os processos judiciais, esta proposta do PL, na verdade, criaria mais burocracia e prejudicaria o acesso do cidadão à Justiça, ele espera que o projeto seja rejeitado. "Não há como passar para os cartórios funções como penhora e cumprimento de mandados, uma vez que estas são incumbências típicas de Estado." E mais uma questão que foi muito bem colocada pelo prof. Marcelo Abelha, em 9/11/20, no seminário on line "O Futuro do Direito Processual Civil: Desjudicialização da execução civil: o PL 6.204/20", da FDRP USP - Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, onde foi dito por ele que nenhuma execução será frutífera se não tiver patrimônio, afirmou, categoricamente, que não se resolve execução nenhum se o devedor não tiver patrimônio. Inclusive, fez uma alusão a propaganda enganosa, para que não se acredite que o PL 6.204/19, seja a solução da execução, posto que não irá resolver o problema do jurisdicionado, exequente. O fato de passar a execução para a desjudicialização, não fará aparecer patrimônio no devedor, para resolver a execução, nas palavras dele. Este, para mim, é o ponto, a preocupação deve ser no sentido de se criar mecanismos de busca patrimonial eficientes para propiciar a satisfação do crédito exequendo na execução. Diante desse cenário, passo a trazer possíveis soluções para melhorar a questão da constrição de bens, que é o que interessa para buscar uma maior efetividade, o que realmente importa na execução. Mas antes de tratar das ideias de possíveis soluções, registro o que foi um duro golpe ao processo de execução, nas palavras do des. Oséas Davi Viana, TJ/SP, no julgamento do HC 7.239.683-5, 11/6/08, "Se prevalecer, em caso de depositário judicial, a interpretação de que a hipótese configuraria prisão civil por dívida, em situação como no caso presente, mais um duro golpe sofrerá a atividades jurisdicional, tão já desprestigiada em nossos dias". Do que ele tratava, da EC 45/04 e, posteriormente, o enfrentamento do STF quanto a prisão civil do depositário infiel, que em 3/12/08, acabou por entender da inaplicabilidade desta prisão face pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) que havia sido recepcionado, justamente por tratar de direitos humanos. Não houve revogação da prisão civil de depositário infiel, prevista na CR, no art. 5º, LXVII, mas sua inaplicabilidade. (súmula vinculante 25 do STF, de 23/12/09, e súmula 419 do STJ, de 11/3/10) A possibilidade da prisão civil do depositário infiel, aquele que aliena, dispõe, de bem penhorado sob sua guarda, era uma excelente medida, para quando se conseguia penhorar algum bem do devedor, pois, é claro, a pessoa pensava duas vezes antes, pois teria como sanção, a prisão civil; sendo isto, um grande diferencial para com a satisfação da execução. Agora sim, vamos as possíveis soluções. Uma, já possuímos, a certidão da execução, art. 828 CPC, para promover a averbação no RI, Detran, ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade, a chamada averbação premonitória (significa advertir com antecipação, um aviso, com o propósito de dar publicidade a terceiros), a qual, também já era previsto no CPC/73, art. 615-A, isso em 2006, com a lei 11.382/06. E o 799, IX, ainda trata da averbação do ato da propositura da execução, o que, em tese, estaria em confronto com o 828, pois aqui, é necessário a admissão pelo juiz. E lembrando que o 615-A, tratava da certidão do ajuizamento da execução, sem a necessidade de admissão pelo magistrado, o que pode ser considerado um pequeno retrocesso, pois podem se passar dias da distribuição do processo e o despacho inicial. E isto pode ser usado no cumprimento de sentença também, vide o 513 do CPC, que estabelece aplicação subsidiária do processo de execução no que couber. Tem um artigo de 2018, muito interessante, dos profs. Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza, Daniel Penteado de Castro e Rogerio Mollica, tratando da possibilidade da certidão premonitória no processo de conhecimento, onde estando presente os requisitos da tutela provisória (fundada na urgência ou na evidência) disciplinada nos arts. 294 a 311 do CPC, seria possível a aplicação do 828 por analogia. Na conclusão deles "A flexibilização interpretativa aplicada certamente favorece a recuperação de crédito inadimplido e outras ações de conhecimento destinadas a cobrança de valores em que não há título executivo, com o diferencial de que, em ações de cobrança de quantia regidas pelo procedimento comum, de igual modo é possível se valer da eficácia técnica da certidão premonitória." Outra possibilidade, diminuição da quantidade de SM previsto no § 2º do 833, que hoje é de 50, no projeto do CPC levado ao Congresso eram 30, mas resolverem aumentar. Entendo que 10 SM estaria de bom tamanho, R$ 12 mil, a imensa maioria dos brasileiros não recebe isso, e não afetaria a subsistência. E mais uma, um sistema integrado de todos os registros de imóveis do país. INFOJUD, não adianta muito, pois não é todo mundo que declara seus bens no IR. Portanto, entendo que a desjudicialização da execução não seja o melhor caminho para resolvermos a questão do que realmente interessa na execução que a satisfação do crédito exequendo e não o que é desejado, realmente, com esse PL, que é desafogar o Judiciário. Levaríamos, apenas, as demandas de um lugar para o outro, onde, num futuro próximo, teríamos os cartórios de protestos, ou demais cartórios, o que seja, entupidos de processos, tornando-se este o gargalo, nas palavras do CNJ, ou se referir como sendo este o gargalho do Judiciário, a execução, visto que esbarraríamos na mesma problemática que temos hoje, encontrarmos bens passíveis de penhora. Bernardo Augusto Galindo Coutinho: Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF); pós-graduado em Direito Empresarial e Processual Civil (Estácio de Sá); associado da ANNEP e do IDPR; fundador do escritório Bowmer e Coutinho - Adv. Ass | ||
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