As serventias extrajudiciais previstas no artigo 236 da Carta Magna são importantes atividades delegadas pelo Poder Público, prestadas por particular aprovado em concurso público de provas e títulos, com a finalidade específica de efetivar os princípios da publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos e negócios jurídicos, conforme artigo 1º da Lei 8.935/94 e artigo 1º da Lei 6.015/73.
A CF/88 asseverou, através dos serviços notariais e de registro, o postulado da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição, passando pela alta relevância de tais serviços públicos delegados, com abrangência de inúmeros atos que envolvem as pessoas, atos e negócios jurídicos, bem como seus bens. Deveras, nos últimos anos ocorreram várias mudanças legislativas, com o escopo de agilizar e efetivar o princípio de real acesso à justiça, especialmente em termos de desjudicialização, assim é que desde a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados), houve previsão para vários atos de desjudicialização, como a transação penal e a suspensão condicional do processo. Já a Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, por exemplo, trouxe para as serventias a possibilidade de se efetivar, no Tabelionato de Notas, Inventários, Partilhas, Separações consensuais e divórcios, atos estes que anteriormente à tal lei demoravam anos para finalizar nas Varas Judiciárias. Mas uma das principais formas de desjudicialização foi a usucapião extrajudicial, em qualquer de suas modalidades, prevista no Código de Processo Civil de 2015 e regulamentada pelo Provimento nº 65/2017 do CNJ, a qual possibilitou que tal importante instituto (ainda mais em um país continental como o Brasil), fossem rapidamente solucionados através das serventias extrajudiciais. Assim é que após a ata notarial de usucapião extrajudicial efetivada pelo Tabelião de Notas da circunscrição do imóvel, haverá a junção de requerimento do interessado, assinado por advogado ou defensor público e dirigido ao Registrador de Imóveis, colacionando diversos documentos que comprovem a posse com animus domini no imóvel, para fins de análise pela serventia extrajudicial, com posterior decisão. Ainda restam inúmeros gargalos no Poder Judiciário, pendendo grandes situações polêmicas e que necessitam de uma nova regulamentação legislativa para fins de desjudicialização, tais como a execução extrajudicial civil que atualmente tramita no Senado Federal, conforme Projeto de Lei n° 6204, de 2019, em que o Tabelião de Protesto efetivará as medidas necessárias, agilizando e trazendo eficiência para tais execuções. Deveras, a Medida Provisória nº 1.085, editada no final do ano de 2021, convertida na Lei 14.382/2022, trouxe uma grande gama de novidades para a seara extrajudicial, especialmente a adjudicação compulsória de imóvel e que trará maior agilidade para as cidadãs e cidadãos brasileiros. A adjudicação compulsória nada mais é do que uma forma de exigir que o alienante de um imóvel seja compelido a efetivar a transferência obrigatória após a consecução do cumprimento do compromisso de compra e venda, já que é cediço que apenas o registro no Registro de Imóveis transfere o título ao adquirente, conforme artigo 1.245 do Código Civil, conforme sistema germânico, em contraposição ao sistema francês. Em eventual ação judicial, o juiz, julgando procedente o pedido, expedirá carta de adjudicação ao autor, transferindo imediatamente o imóvel, ou ainda poderia determinar obrigação de fazer para que o réu efetivasse a escritura pública de compra e venda do imóvel em alusão. Assim prevê o artigo 1.418 do Código Civil: "Artigo 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel." Deveras, quanto às incorporações imobiliárias, verifica-se que a Lei 4.591/64 também prevê a adjudicação compulsória, conforme artigo 32: "§2º Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra". Da mesma forma a lei de parcelamento de solo (6.766/79), que asseverou: "Artigo 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros". Verifica-se, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça já assentou na Súmula 239 que "o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis", portanto, tal direito pode ser exercido independentemente do registro anterior de eventual compromisso. Importante salientar que o compromissário comprador de um imóvel tem direito real sobre tal imóvel em discussão, conforme artigo 1225, inciso VII do Código Civil: "VII — o direito do promitente comprador do imóvel", alinhado ao direito de propriedade, superfície, laje, servidões, habitação, hipoteca, uso, usufruto etc. Portanto, com a alteração do artigo 216-B da Lei 6.015/73, haverá a opção (também pode utilizar a via judicial) do requerente em solicitar diretamente ao Registrador de Imóveis, através de advogado, a adjudicação compulsória do imóvel ao Registrador de Imóveis, para efetivação de tal direito real. Para tal requerimento, haverá a necessidade de instruí-lo com o compromisso de compra e venda ou cessão, bem como sucessão; comprovação de inadimplência da celebração da escritura de compra e venda, através de notificação extrajudicial (prazo de 15 dias feito pelo RI ou RTD); certidões negativas forenses acerca de eventual litígio envolvendo o imóvel; comprovante de pagamento do Imposto municipal de Transmissão de Bens Imóveis, além da procuração com poderes específicos. Com tais documentos juridicamente em ordem, o Registrador de Imóveis efetivará imediatamente o registro do domínio em nome do promitente comprador ou sucessor na matrícula do imóvel, resolvendo tal situação jurídica que poderia demorar muitos anos perante o Poder Judiciário, trazendo real acesso ao direito à propriedade previsto no artigo 5º, caput da Carta Magna, além de traduzir a função social da propriedade. Efetivamente, haverá ainda maior eficiência no sistema registral se também fosse permitida pela lei expressamente a adjudicação compulsória inversa, na medida em que o proprietário tabular, mesmo tendo efetivado a venda de tal imóvel, acaba tendo graves prejuízos financeiros, na medida em que o comprador não transfere para si o imóvel. Judicialmente tal situação já é permitida há muito tempo, pois os registros públicos devem refletir a realidade das situações jurídicas no mundo dos fatos, contudo, caberá aos Tribunais de Justiça analisar o cabimento da adjudicação compulsória inversa diretamente também nas serventias dos Registros de Imóveis. Autores: Robson Martins é doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ITE, mestre em Direito pela UFRJ e pela Universidade Paranaense, especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp e procurador da República. Erika Silvana Saquetti Martins é doutoranda em Direito pela ITE, mestre em Direito pela Uninter, mestrando em Políticas Públicas pela UFPR, especialista em Direito Público, Direito do Trabalho e Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera – Uniderp e advogada. Fonte: ConJur | ||
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