A constituição familiar é um traço identitário do ser humano, sendo responsável por gerar, estabelecer e moldar um indivíduo. Uma família pode nascer de diversas formas, e uma delas é por meio da adoção, um procedimento legal, “pelo qual alguém assume como filho, de modo definitivo e irrevogável, uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa”.
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), a adoção no país é regulamentada pela Lei nº 8.069, de 1990, que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, uma legislação que visa proteger a criança e ao adolescente. No Brasil, a adoção não possui custo algum, e pode ser realizada por qualquer pessoa maior de 18 anos, “independentemente do estado civil, orientação sexual ou classe social”. Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2021 no Brasil havia 3.770 crianças e adolescentes aptas à adoção, sendo que a fila de pretendentes cadastrados ultrapassava os 46 mil. Com essa discrepância entre os números, fica difícil entender o motivo de ainda haver crianças e adolescentes aguardando serem adotados, visto que o total de pretendentes é 12 vezes maior que o número de crianças aptas. Mas há uma explicação para essa diferença. Segundo Mônica Gonzaga Arnoni, juíza assessora da Presidência do TJ/SP, “há uma preferência dos pretendentes à adoção por bebês ou crianças bem pequenas, sob a alegação de querer acompanhar o crescimento e desenvolvimento desde o início da vida da criança”. A magistrada explica que a chamada “adoção tardia” ainda é pouco aceita pelas famílias que buscam adotar. “Até poucos anos, a adoção era ‘tardia’ quando a criança tinha a partir de 3 anos. Atualmente, considera-se tardia a adoção quando a criança tem a partir de 7, 8 anos de idade. Chama-se tardia justamente porque a criança ou adolescente já tem idade um pouco mais avançada, um perfil que não tem tanta procura pelos pretendentes à adoção.” Para Mônica, são muitos os motivos para uma família optar por adotar bebês ou crianças mais novas, como exemplo, “o mito de que uma criança mais velha tem maior dificuldade de adaptação, vinculação e carrega uma história que não pode ser revisitada”. A juíza explica que os pretendentes têm uma visão deturpada e muitas vezes preconceituosa da adoção de crianças com idades acima de 7 anos, acreditando, certas vezes, em se tratar de uma adoção que exija uma relação mais complexa. “Não se trata de uma relação mais complexa e sim de uma maior preparação dos pretendentes à adoção, especialmente quanto à necessidade de respeito à história da criança”, disse Mônica. “A vida e a história da criança não se iniciam com a adoção, elas já existem e precisam ser respeitadas e ressignificadas.” Visando dar maior visibilidade às crianças e adolescentes acima dos 7 anos de idade, e também aos grupos de irmãos e às crianças com deficiências, o TJ/SP criou, em 2017, o projeto “Adote um Boa-Noite”. O nome da campanha, vencedora na categoria Tribunal do Prêmio Innovare 2018, remete a um momento de solidão das crianças abrigadas, que deixam de receber um beijo de “boa-noite” do pai e da mãe ao se deitarem para dormir. A juíza Mônica lembra que “qualquer um que deseja a constituição da família pela via adotiva deve preparar-se para compreender as necessidades da criança que será adotada, e ressignificar suas dores e traumas”. Segundo a magistrada, “a preparação para a adoção tardia deve ainda ser mais cautelosa e especial, pois se trata de uma criança cuja compreensão já é maior e que certamente questionará uma série de situações cotidianas e familiares”. “Além da frequência aos grupos de apoio à adoção, os pretendentes podem e devem ter acesso a livros que tratam sobre o tema, manter contato com pessoas que já adotaram e buscar o autoconhecimento para entenderem os próprios limites e aquilo que conseguem oferecer para o filho que chegará.” Caso: Adote um Boa-Noite Fernanda Fabris tentou engravidar durante 11 anos, sem sucesso, e conversando com o esposo, Maurício, decidiram tentar constituir sua tão sonhada família pela via da adoção. Quando, no dia 11 de julho de 2019, a doutora em Ciências resolveu acessar o portal do projeto “Adote um Boa-Noite”. Naquele dia, Fernanda se deparou com a foto de quatro irmãos: Flávio, com 11 anos à época; Flávia, com 9 anos; Fabrício, com 6 anos e Arthur, com 3 anos. No momento que viu a imagem das crianças, Fernanda não teve dúvidas. “Eu disse: achei meus filhos.” “Eu tinha vontade de adotar até duas crianças, mas nunca tinha cogitado a ideia de quatro irmãos. Mas quando vi a foto tive uma certeza muito grande que eram meus filhos”, contou Fernanda, que junto do marido encontrou as crianças pela primeira vez três meses após vê-los no site de adoção do Tribunal de Justiça, em outubro de 2019. O casal realizou todo o procedimento necessário para efetivar a adoção dos quatro irmãos e, em poucos meses, já estavam com a certidão de nascimento de cada criança com a nova filiação, seu nome e o do marido como pais, assim como os nomes dos avós paternos e maternos. “A adoção tardia sempre foi a nossa opção, é algo que eu desejava desde a minha infância”, contou Fernanda, que sonha em ser mãe desde os 13 anos de idade. “Sempre pensei em adotar um pré-adolescente ou uma adolescente. O que me fez ter essa vontade foi ter contato com a situação das crianças acolhidas. Sempre soube que a maior parte das crianças tinham acima de 8 anos de idade, então se tornou algo natural para nós, a adoção tardia”, explicou. Dona da conta Mãe por Adoção (@mae_poramor) no Instagram, com mais de 560 mil seguidores, Fernanda publica o dia a dia da família, conta como foi o processo de adoção dos quatro filhos e divulga informações, histórias e relatos de adoção de diversas famílias. Engajada no assunto, Fabris participou de diversas reportagens para jornais, revistas e portais, sempre abordando o tema da adoção pela ótica da “realidade”, como gosta de dizer. “Por si só, a maternidade não é fácil e a adoção, seja em qualquer idade, precisa de preparo e vontade dos pais, e, acima de tudo, de decisão.” Para os pais que desejam iniciar o processo de adoção, Fernanda diz: “Reflita, olhe para si, veja quais são suas expectativas, por que você está escolhendo determinado perfil e seja o adulto da relação, mantenha sua decisão até o final. Pois nós, pais, temos condições neurológicas de saber o que queremos ou não, a criança/adolescente não, eles ainda estão com o cérebro em construção, então a responsabilidade de fazer dar certo é sempre dos pais”. Adoção e registro civil Todo processo de adoção deve, obrigatoriamente, ser realizado pela via judicial. Os tribunais de justiça dos estados são responsáveis pelos bebês, crianças e adolescentes aptos à adoção, sendo eles, também, que realizaram todo o procedimento de capacitação dos pretendentes a candidatos, do acolhimento das crianças em abrigos e destinação às famílias, e também do processo pós-adoção, fazendo visitas regulares por um período à casa da criança adotada, até que esta esteja melhor instalada na família. Após a efetivação, a família deve comparecer ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e realizar o ato final do procedimento da adoção. O registro civil original do adotado será cancelado e se emitirá uma nova certidão de nascimento, em que constará os dados dos pais adotantes, assim como os nomes dos avós paternos e maternos, sem qualquer referência à adoção. Antonio Carlos Antunes do Nascimento e Silva, juiz da Vara de Registros Públicos da Comarca de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, enfatiza que “o ato de adoção tem caráter irretratável e reverte-se em benefício do adotado, criando direitos e obrigações de filho natural, desligando-o dos vínculos com a família biológica”. Segundo o magistrado, o parentesco estende-se aos descendentes do adotando, “não se limitando apenas ao adotando e ao adotado”. Mas o juiz lembra que “sendo a adoção um procedimento jurisdicional, ainda que cancelado o assento original, sempre haverá possibilidade de se conhecer o teor do assento anterior, mediante consulta ao processo a ser oportunizada por quem evidencie real interesse”. Após atingida a maioridade, o adotado pode consultar o registro civil anterior à sua adoção, sendo seu direito, caso seja de seu interesse, conhecer sua origem genética. Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/SP | ||
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