José Luiz Germano[1]
PORTARIA 5914-12, DE 8 DE SETEMBRO DE 2021 (D.O. de 09/09/2021) Dispõe sobre a realização de inventário extrajudicial, em tabelionato de notas, quando houver herdeiros interessados incapazes. O Juiz de Direito Edinaldo Muniz dos Santos, titular da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco, no uso de suas atribuições legais e regulamentares; Considerando as combinações sistemática e principiológica dos artigos legais adiante citados; Considerando o art. 2.015 do Código Civil: Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz; Considerando o art. 2.016 do Código Civil: Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz; Considerando o art. 665 do Código de Processo Civil: Art. 665. O inventário processar-se-á também na forma do art. 664, ainda que haja interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público; Considerando o caput do art. 48 do CPC: Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro; Considerando o § 2º do art. 3º do CPC: § 2º. O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos; Considerando o § 3º do art. 3º do CPC: § 3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial; Considerando o art. 8º do CPC: Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência; Considerando o art. 5º do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei Introdução às Normas do Direito Brasileiro): Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum; Considerando o importante precedente do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, no Processo 1002882-02.2021.8.26.0318, precedente esse que deferiu alvará judicial para realização de um inventário extrajudicial com herdeiro interessado incapaz; Considerando o conteúdo e a força teórico-doutrinário do artigo jurídico Um passo adiante, publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, e titulado por um tabelião de notas e dois desembargadores aposentados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: José Renato Nalini (desembargador aposentado e ex-presidente do TJ-SP), José Luiz Germano (desembargador aposentado do TJ-SP) e Thomas Nosch Gonçalves (tabelião de notas); (grifo nosso). RESOLVE: Art. 1º. Os tabelionatos de notas do Estado do Acre poderão, no âmbito da competência sucessória deste juízo (CPC, art. 48, caput), lavrar escrituras públicas de inventários extrajudiciais, mesmo havendo herdeiros interessados incapazes, desde que a minuta final da escritura (acompanhada da documentação pertinente) seja previamente submetida à aprovação desta vara, antecedida, evidentemente, de manifestação do Ministério Público, tudo isso visando a devida proteção dos interesses dos herdeiros incapazes. Parágrafo único. Para todos os efeitos legais, os inventários lavrados na forma do caput deste artigo serão considerados como inventários judiciais (na modalidade de arrolamentos), uma vez que as minutas de escritura serão previamente aprovadas e homologadas por esta vara. Art. 2º. O procedimento previsto no art. 1º será processado nesta vara em simples e desburocratizado pedido de providência, provocado por herdeiros interessados e/ou pelo próprio cartório do inventário extrajudicial (CPC, arts. 719 e seguintes), sem a incidência de custas processuais (para que não aconteça, por evidente, uma duplicidade na cobrança), mas sem nenhum prejuízo do devido pagamento dos emolumentos cartorários. Parágrafo único. A versão final e assinada da escritura de inventário deverá fazer menção expressa à aprovação deste juízo sucessório, constando dessa menção o número do procedimento judicial de providência previsto no caput deste artigo. Art. 3º. Esta portaria entrará em vigor nesta data, devendo ser publicada no quadro de avisos desta vara e no Diário da Justiça Eletrônico. Rio Branco/AC, 8 de setembro de 2021. Edinaldo Muniz dos Santos JUIZ DE DIREITO
Transcrevemos importante conclusão do artigo “ Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial” de autoria da Flávia Pereira Hill, que norteia a necessidade de uma releitura dessa extrajudicialização: “ .... A edição de leis, assim como as suas interpretação e aplicação, é inevitavelmente produto de seu contexto histórico. Sendo assim, não nos causa estranheza que o constituinte tenha identificado o acesso à justiça, em 1988, como acesso ao Poder Judiciário, diante dos severos óbices então encontrados ao recurso aos tribunais. Se essa era a realidade ao tempo da edição da Constituição-cidadã, o mesmo não se pode afirmar dos dias atuais, em que, passados mais de 30 anos de sua vigência, experimentamos as desventuras de um Poder Judiciário assoberbado com mais de 80 milhões de ações e uma taxa de congestionamento preocupante, da ordem de 68,5%, em razão do que chamamos de hiperjudicialização. Embora o cenário seja, de fato, digno de atenção, entendemos que as últimas décadas, a par de criar os problemas, também cunhou as possíveis soluções. Experimentamos, de um lado, um incremento da difusão de informações no seio da sociedade, assim como a reconfiguração de algumas carreiras jurídicas, especialmente o fortalecimento da advocacia e a reestruturação dos cartórios extrajudiciais. A sociedade se mostra, pois, em condições de exercer uma participação mais madura no processo. Nesse contexto, especialmente a partir de 2007, avança a desjudicialização em nosso país, através da edição de normas que transferem ou compartilham as funções até então desempenhadas exclusivamente pelo Poder Judiciário para novos núcleos decisórios, especialmente os cartórios extrajudiciais, embora a fiscalização perene de tais funções permaneça confiada aos tribunais locais e ao CNJ. No entanto, a preocupação central do presente trabalho consiste em jogar luz sobre a importância de pensarmos a desjudicialização de forma ordenada e técnica, sem perder de vista que se trata de fenômeno atrelado ao funcionamento do sistema de justiça e que se situa em um ponto de convergência entre o Direito Notarial e Registral e o Direito Processual. Em um Estado Democrático de Direito, isso significa dizer que a desjudicialização, para que se consolide como fenômeno apto a oferecer novos mecanismos adequados e democráticos, precisa propiciar o mesmo patamar garantístico experimentado no processo judicial (adjudicação estatal), não sem descurar, por óbvio, das peculiaridades do segmento extrajudicial. É preciso, pois, realizar o necessário diálogo entre fontes e a transposição de técnicas entre os dois ramos do Direito, sempre sob o pálio da Constituição Federal. A noção de devido processo legal extrajudicial deve pautar os estudos sobre a desjudicialização, com vistas a permitir que as suas normas definidoras sejam interpretadas e aplicadas à luz das garantias fundamentais do processo. No atual estágio evolutivo da ciência processual e no patamar de expectativa do jurisdicionado com o sistema de justiça, não basta desjudicializar por desjudicializar. A preocupação com a imparcialidade e a independência dos novos núcleos decisórios, o seu controle externo, a publicidade, o contraditório e a previsibilidade do procedimento deve permear as nossas reflexões. De igual modo, para que extraiamos todo o potencial que a desjudicialização nos oferece, é preciso haver a cooperação entre as esferas judicial e extrajudicial, assim como já existe, de forma crescente, a cooperação entre órgãos do Poder Judiciário (cooperação judiciária) e entre estes e os árbitros (carta arbitral). Mostra-se, por fim, imperioso que a advocacia, que sói ser a ponte, por excelência, entre o jurisdicionado e os meandros de nosso sistema de justiça, conheça os novos mecanismos oferecidos pela desjudicialização, desbrave a seara extrajudicial e, assim, através do mapeamento da Justiça Multiportas, passe a oferecer ao seu cliente todos possíveis mecanismos adequados. Verifica-se, pois, que, mais do que a previsão legal, o avanço da desjudicialização depende da mudança de cultura de todos os operadores do Direito, de modo a compreender e assimilar que novos agentes ingressem no centro da cena do sistema de justiça, com vistas, de um lado, a reduzir a dramática sobrecarga do Poder Judiciário, e, de outro, permitir que, zelando-se pelo devido processo legal extrajudicial, logremos oferecer ao jurisdicionado novos mecanismos aptos a solucionar, com efetividade, o crescente e multifacetado contingente de litígios que eclodem no seio da sociedade contemporânea. Não podemos nos contentar, portanto, em reconhecer na desjudicialização simplesmente uma possibilidade de o jurisdicionado sair do Poder Judiciário e, assim, contribuir para a redução de sua sobrecarga. É preciso zelar para que a desjudicialização resguarde as garantias fundamentais do processo, que representam conquistas inegociáveis da ciência processual. Trata-se, pois, de permitir que o jurisdicionado saia do Poder Judiciário pela porta da frente, e, também por outras veredas, sem déficit garantístico, tenha acesso à ordem jurídica justa. Essa é a nossa missão.” Por fim, como já enaltecemos em outro artigo sobre assunto, cabe destacar a complexidade legislativa que vivemos e a ausência de pragmatismo e objetividade das soluções jurídicas. Por vezes, nos deparamos uma série de atos pró formas, que o resultado é o mesmo caso escolhido uma alternativa mais operável, base fundamental do Código Civil de 2002. Assim, diante do pluralismo pós-moderno, com inúmeras fontes legais – lei em sentido estrito e normas administrativas -, surge a necessidade de coordenação entre as leis que fazem parte do mesmo ordenamento jurídico. Ao explicar o diálogo das fontes, preleciona Claudia Lima Marques que “a bela expressão de Erik Jayme, hoje consagrada no Brasil, alerta-nos de que os tempos pós-modernos não mais permitem um tipo de clareza única ou uma espécie de monossolução. A solução sistemática pós-moderna, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica legal, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo. Assim deve ser mais fluida, mais flexível, tratar diferentemente os diferentes – ética Aristotélica -, a permitir maior mobilidade e fineza de distinção. Nestes tempos, a superação de paradigmas é substituída pela convivência dos paradigmas”, perscrutando um acesso à justiça de forma mais ágil. Para Cláudia Lima Marques, há um diálogo diante de influências recíprocas, com a possibilidade de aplicação concomitante de duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, de forma complementar ou subsidiária. Ou seja, o diálogo das fontes é uma busca de estruturar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. Trata-se da denominada “coerência derivada ou restaurada” que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a ‘incompatibilidade’ ou a ‘não coerência de sua aplicabilidade em uma interpretação legalista e com limites restritos. Dessa forma, sem afastar a necessidade de perscrutar o vetor axiológico dos temas relacionados à concretização dos direitos fundamentais, à democratização do acesso à Justiça, à efetividade da prestação jurisdicional e ao aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados à sociedade, sem o distanciamento total do importante controle jurisdicional e ministerial, trata-se de uma desjudicialização mitigada, e não total! Concluímos:
Finalmente, já defendemos que no empenho de assegurar conquistas menores, corre-se o risco de esquecer o fundamental: a Justiça humana existe como serviço público e está preordenada a servir o povo. O juiz do futuro precisa ser o profissional da harmonização. Sem desconhecer a luta pelo direito, dele se espera que seja sensível, capaz de condoer-se da sorte de seu semelhante, e, portanto, consciente das consequências concretas de sua decisão. Será um Juiz mais interessado em solucionar os litígios em cooperação com o notário e o advogado, do que em mostrar erudição. Empenhado em propiciar a auto composição, sem pruridos para encaminhar uma saudável conciliação e menos preocupado em dizer a lei, assim, haverá uma atuação simbiótica desses dois sistemas de acesso à justiça, o extrajudicial e o judicial, já que etimologicamente estarão sempre ligados. Referências BARBOSA MOREIRA, José Carlos, ― ―Tendências contemporâneas no direito processual civil, in Temas de direito processual: 3. série. São Paulo: Saraiva, 1984, pp. 1-13. BRASIL. LEI N. 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Código Civil. Acessado em 20.11.2022. BRASIL. LEI N. 13.105 DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de processo civil, Brasília/DF, mar 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acessado em 20.11.2022. DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, 11. ed.. São Paulo: Malheiros, 2003. HILL, Flávia Pereira, Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial Revista Eletrônica de Direito Processual – REDPRio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 1. pp. 379-408. NALINI, José Renato, ―A formação do juiz brasileiro‖. In: José Renato Nalini (coord.), Formação jurídica: 2. ed., rev. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 132/148. STJ. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 1.808.767-RJ. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em 15.10.2019. Disponível em https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901146094&dt_publicacao=03/12/2019 Acessado em 20.11.2022. [1]Especialista em direito notarial e registral pela EPM, Desembargador aposentado (TJ/SP), atualmente é Oficial de Registro de Imóveis do 2º Ofício de Cianorte – Paraná.
[2]Doutor e Mestre em Direito pela USP, Desembargador aposentado, Ex-Corregedor Geral da Justiça, Ex-Presidente (TJ/SP) e Reitor da Uniregistral.
[3]Mestre em Direito pela USP, especialista em direito civil pela USP e em direito notarial e registral pela EPM, ex-advogado e atualmente Registrador Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Cachoeira de Emas, Município de Pirassununga em São Paulo.
[4] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901146094&dt_publicacao=03/12/2019 acesso em: 20/11/2022.
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