O Brasil perdeu no último dia 5 um de seus principais ícones no futebol. Mário Jorge Lobo Zagallo, único tetracampeão mundial e um dos maiores símbolos de amor à Seleção, nos deixou aos 92 anos. Desde então, a herança milionária do Velho Lobo, como era chamado carinhosamente pelos brasileiros, reaqueceu uma disputa familiar que já se arrastava por anos. Em seu testamento, o ex-jogador e ex-treinador manifestou sua “profunda decepção” com três dos quatro filhos e deixou a maior parte da herança, avaliada em cerca de R$ 13 milhões, para Mário César, o caçula.
Os desentendimentos familiares iniciaram em 2012, quando a esposa de Zagallo, Alcina de Castro Zagallo, morreu. Quando o processo do inventário de Alcina foi aberto, os filhos aceitaram em deixar o pai como administrador dos bens e abriram mão da herança. Contudo, quatro anos depois, em 2016, os três mais velhos – Paulo Jorge, Maria Emília e Maria Cristina – se arrependeram e acusaram Zagallo de omitir a existência do testamento, lavrado em 1984. Eles pediram a anulação na Justiça, mas não tiveram êxito. De acordo com pessoas mais próximas à família, nesse período, o caçula Mário César era o único que cuidava do pai. Por conta disso, Zagallo decidiu fazer um testamento em que deixou metade dos bens apenas para ele, com o restante sendo dividido entre os quatro filhos. A legislação brasileira prevê que ao menos 50% dos bens devem ser partilhados entre todos os herdeiros. É o que explica o vice-presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg/SP) e 3º Tabelião de Notas e de Protesto de Bauru, Demades Mario Castro. Segundo ele, quando existe um testamento, ocorre a divisão da herança em duas sucessões: a sucessão legítima (parcela atribuída por lei aos herdeiros necessários do falecido) e a sucessão testamentária (aquela atribuída aos herdeiros e legatários nomeados no testamento). O artigo 1.846 do Código Civil (Lei 10.406/2002) dispõe que pertence aos herdeiros necessários a metade da herança líquida, compondo a legítima. Sobre a outra metade, a pessoa poderá dispor livremente em testamento (artigo 1.789 do Código Civil). Na prática, a divisão feita por Zagallo em testamento significa que o caçula ficará com 62,7% dos bens e outros três irmãos com 12,5% cada um. O tabelião afirma que o modelo de divisão feito por Zagallo é totalmente legal juridicamente. “Neste caso do Zagallo, a divisão proposta, atribuindo toda a parte disponível a um dos filhos, é plenamente válida e não prejudica a parcela que esse filho teria direito pela sucessão legítima, que é a parte que lhe couber por lei, na divisão dos outros 50%, igualmente, com todos os irmãos”, diz Demades Mario Castro. Insatisfeitos com a divisão feita pelo pai, os outros três filhos, Paulo Jorge, Maria Emília e Maria Cristina, resolveram questionar na Justiça a questão. “O acesso à Justiça é livre e garantido pela nossa Constituição Federal. Mas, de acordo com os fatos que foram noticiados, as chances de mudança não estariam na anulação do testamento, nem da divisão proposta em suas disposições, mas de supostas e eventuais doações realizadas em vida, que poderiam, em tese, vir a diminuir a parte disponível do testador, ou seja, aquela parcela que poderia ter sido objeto do testamento. Se isto ocorrer, essas quantias deverão ser levadas à colação no inventário, se realmente existentes e comprovadas”, explica Demades Mario Castro. Troca de acusações entre os filhos Após a disputa familiar vir à tona, os filhos de Zagallo passaram a trocar acusações públicas. Os advogados de Paulo Jorge, Maria Emília e Maria Cristina publicaram uma nota oficial à imprensa com acusações contra o caçula Mário César. Nela, os representantes dos irmãos acusaram Mário César de restringir o acesso ao pai desde 2016, “induzindo Zagallo a acreditar que teria sido abandonado”. Em outro trecho da nota, os advogados relatam movimentações bancárias que teriam sido feitas pelo caçula. “(...) os herdeiros observaram movimentação patrimonial milionária, incluindo expressivas doações destinadas a Mário César. Adicionalmente, foram identificados saques recorrentes em contas bancárias de Zagallo, envolvendo quantias incompatíveis com seu padrão de vida enquanto idoso. Diante dessas circunstâncias, os herdeiros estão atualmente buscando a tutela do judiciário para resguardar e assegurar seus legítimos direitos perante essa situação delicada”. Em entrevista ao ‘Estadão’, Mário César disse que seus irmãos “estão querendo aparecer”. “Eles (irmãos) estão querendo aparecer após sete anos. Fui eu quem cuidou do meu pai esse tempo todo. Tem um documento assinado pelo meu pai dizendo que não queria a visita deles nas internações”, declarou ao jornal. O caçula lembrou de uma entrevista concedida pelo Velho Lobo ao jornalista Benjamin Back, em dezembro de 2019, como prova do pensamento do pai, além do testamento. “Tenho quatro filhos, mas o único que está se dedicando a mim neste final de vida é o Mário César Zagallo. Melhor dizendo, Mário Jorge Lobo Zagallo é o pai do Mário César Zagallo, é ele que é meu braço direito, que faz tudo para mim. Não fosse ele, eu não sei o que poderia acontecer. Minha vida toda está entregue a ele”, disse Zagallo na ocasião. Saúde debilitada Por conta da idade avançada, Zagallo vinha com a saúde fragilizada há anos. Em setembro de 2023, ficou cerca de 20 dias internado no hospital com infecção urinária. Em dezembro do mesmo ano, voltou a ser internado, porém, acabou não resistindo. O Velho Lobo acabou falecendo vítima de insuficiência respiratória, falência múltipla de órgãos, insuficiência pancreática, fibrilação atrial e câncer de próstata, conforme consta na certidão de óbito obtida junto 12º Registro Civil das Pessoas Naturais do Rio de Janeiro. Clique aqui para conferir a íntegra do documento. História no futebol Zagallo tem uma história ímpar no futebol brasileiro e mundial. Foi a única pessoa a estar presente em quatro títulos de Copa do Mundo: 1958 (Suécia) e 1962 (Chile), como jogador, 1970 (México), como técnico, e em 1994 (Estados Unidos), como coordenador técnico. O Velho Lobo ainda esteve no comando da Seleção Brasileira no quarto lugar em 1974 (Alemanha Ocidental) e no vice-campeonato em 1998 (França). Em 2006, na Alemanha, ele novamente foi coordenador técnico. Fonte: Assessoria de Comunicação Anoreg/SP | ||
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