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‘Para a Justiça, você é uma pessoa doente’, conta Gisele Alessandra Schmidt

Publicado em: 19/06/2017
Primeira advogada transexual a fazer uma sustentação oral no STF relata luta pelos direitos LGBT em depoimento à Folha de São Paulo.

Gisele Alessandra Schmidt ficou conhecida neste mês como a primeira advogada transexual a fazer uma sustentação oral perante os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

No dia 7 de junho, ela defendeu no plenário da Suprema Corte que a população trans tenha o direito de mudar o nome e o sexo no registro civil sem a necessidade de realizar uma cirurgia de transgenitalização.

Em depoimento à Folha de São Paulo publicado nesta sexta (16), a advogada paranaense contou que desde criança sentia desconforto com as roupas masculinas e que sofria na escola.

Era colocar uma calça, eu chorava. Você chora, mas não sabe exatamente o porquê. Na escola, a piazada me batia, cuspia, chutava. Foi um trauma muito grande. Na minha cabeça, eu sabia que eu era mulher. Mas você não sabe como lidar.

No relato, Gisele fala que começou a transição na faculdade, quando estudava Direito. Nessa época, ela deixou o cabelo crescer, fez laser para tirar a barba e aplicou silicone. Foi também quando houve uma ruptura com a família.

Eles não falam comigo há três anos. Nessa época, minha mãe foi diagnosticada com câncer. Ela veio morar comigo e eu cuidei dela durante dois anos, até que ela faleceu. A minha mãe foi me aceitar nos últimos 15 dias de vida.

Gisele então estudou para ter o registro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e começou a luta para mudar o nome Marcus Alessandro por Gisele Alessandra, em homenagem à modelo Gisele Bündchen.

No processo de retificação, a vida da gente é escrutinada. A Justiça exige que você tenha um laudo de um psicólogo ou psiquiatra atestando que você é trans. É a patologização. Para a Justiça, você é uma pessoa doente e tem que provar essa condição.

A advogada contou que alguns juízes mudam o prenome, mas não o sexo ou só aceitam a retificação com cirurgia. De acordo com ela, em alguns casos, a pessoa trans não pode ter restrição ao crédito, "porque acham que você quer fugir de dívida". Para Gisele, o julgamento no STF tem que mudar isso.

Atualmente, não há legislação específica que regulamente expressamente o direito de retificação de nome e gênero de travestis, mulheres transexuais, homens trans e outras pessoas trans. As pessoas trans fazem os pedidos individualmente na Justiça e cabe a um juiz autorizar ou não a mudança de nome.

Em abril deste ano, porém, o STF começou a julgar duas ações que questionam a necessidade de cirurgia para a mudança no registro civil. A Procuradoria-geral da República já se manifestou a favor da troca de documentos sem a necessidade da cirurgia. O julgamento deve ser retomado no segundo semestre.

A advogada contou que, na sustentação que fez no plenário do Supremo, lembrou do caso da travesti Dandara Kethlen, torturada e morta em fevereiro, em Fortaleza (CE).

Ela foi espancada à luz do dia. Os vizinhos viram, e ninguém fez nada. Até quando? Por que essa violência? Isso tem que acabar. Está ligado a um discurso de ódio, o que é um retrocesso. Muita coisa melhorou, mas ainda tem muita coisa a ser feita.

No final do relato, Gisele conta que muitas pessoas que não querem fazer uma cirurgia [de readequação genital], porque é invasiva e que muitas pessoas trans "estão sofrendo e estão desprotegidas". A advogada destaca ainda que o assunto é tabu dentro das escolas e no Legislativo.

Eu sou uma sobrevivente. Mas outras não conseguiram. Há pessoas morrendo a pauladas, e acabam enterradas sem retificar o nome, sem o nome com o qual elas se identificaram a vida inteira.

Fonte: HuffPost
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