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Personagens paulistas: o escravo que se tornou um mestre da arquitetura paulistana

Publicado em: 25/08/2021
Em reportagem exclusiva à Anoreg/SP, o escritor e o organizador da obra “Tebas - um negro arquiteto na São Paulo escravocrata”, falou sobre o raro trabalho que Tebas realizou na São Paulo colonial
 
 
No século XVIII, o Estado de São Paulo contava como um de seus habitantes um ícone da arquitetura colonial, mestre da arte e da técnica de entalhar e aparelhar pedras, o Joaquim Pinto de Oliveira. Escravo desde ao nascer, conquistou a liberdade do seu corpo e do seu destino, por meio da taipa e da pedra.
 
Nascido em 11 de janeiro de 1721 na Vila de Santos, cidade do litoral do Estado de São Paulo, Joaquim Pinto de Oliveira, ou Tebas, filho de Clara Pinta de Araújo, era um homem escravo, mas com alma e visão livre de um arquiteto. Ainda hoje, após 210 anos do seu falecimento, sua especificidade e seus trabalhos são encontrados em grandes fachadas monumentais do Estado. “O Tebas ganhou prestigio por exercer uma atividade muito rara e diferenciada”, conta o jornalista, escritor e organizador do livro “Tebas - um negro arquiteto na São Paulo escravocrata”, José Abílio Ferreira.
 
“Tebas trouxe a especificidade para o ramo. Hoje os arquitetos conseguem atuar em áreas específicas do campo da arquitetura, como o Tebas atuou. Ele foi um especialista em ornamentação de fachadas em pedra de cantaria”, completa. 
 



Ilustração de Tebas realizada pela Revista Galileu

 
Mudança para capital
 
Em busca de maiores oportunidades de trabalho, Joaquim Pinto foi levado de Santos para a cidade de São Paulo colonial pelos seus senhores, Antônia Maria Pinta e o mestre-pedreiro Bento de Oliveira Lima. Na nova localidade encontrou uma região um passo à frente no processo de formação e modernização, mas que era escassa em materiais rochosos, seu ramo de atuação.
  
Na época a cidade de São Paulo estava sendo construída por meio de taipa (técnica de utilizar barro para moldar edificações). E sendo excelente em cantaria (arte de talhar blocos de pedras), Tebas precisou mostrar que era possível modernizar São Paulo por meio de rochas brutas transformadas em blocos de construção. “A cidade colonial era toda construída em taipa. E vivendo nesta região com escassez de pedra, Tebas tornou-se um profissional e especialista do ramo. Ele representava um profissional raro que trabalhava com pedra em uma cidade onde não havia pedra e nem profissionais que sabiam trabalhar com ela”, ressalta o escritor.

 
O famoso “Tebas”
 
Com um trabalho único e qualificado, Joaquim Pinto de Oliveira, ganhou o apelido da expressão popular muito utilizada na época: O fulano é um Tebas, o que representava uma pessoa boa no que faz. “Joaquim foi um indivíduo que nos possibilitou fazer uma série de reflexões que transcendem a sua própria existência física, como por exemplo o seu apelido. A palavra ‘Tebas’ representa duas ações: a primeira é a união de duas cidades antigas localizadas na África, e a segunda é uma atividade que designa toda pessoa que faz com excelência o seu trabalho” conta, José Abílio.

  
Grandes fachadas da antiga São Paulo
 
Tornando-se um ícone da arquitetura colonial, o trabalho de Tebas chamava atenção de grandes ordens religiosas. Beneditinos, franciscanos, carmelitas e católicos o procuravam para realização obras e reformas, que anos depois ficariam marcadas como as grandes fachadas da São Paulo antiga.
 
Tebas foi o responsável pelas fachadas do Mosteiro de São Bento e da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco e a construção da antiga torre da Catedral da Sé.
 


Antiga Catedral da Sé

 
Entre as obras mais importantes de Joaquim Pinto, está o Chafariz da Misericórdia. O monumento, foi construído para reunir escravos que precisavam de água e abastecimento para casa dos seus senhores. O espaço foi demolido em 1889, após a canalização de água na cidade.
 
 

Reprodução do Chafariz da Misericórdia
 
 
Alforria na cidade escravocrata
 
Vivendo há mais de 50 anos como escravo, Tebas teve concedida sua alforria (documento de libertação de escravos) entre os anos de 1777 e 1778. Não existem documentos que comprovam como foi a conquista de sua liberdade. Alguns pesquisadores falam que a libertação ocorreu após a morte do seu senhor, o mestre-pedreiro, Bento de Oliveira Lima em 1769, mediante uma ação judicial movida contra a viúva Antônia Maria Pinta. Outros enfatizam que o grau de autonomia com que Tebas trabalhava, assinando contratos, o levou a alforria. “Tebas deixou dois grandes legados. O primeira foi a sua arquitetura e o segundo foi a reflexão sobre as relações raciais no período da escravidão na São Paulo do século XVIII”, afirma, o escritor.

 
Livre ou com liberdade condicional?
 
Existe uma contradição sobre a alforria de Joaquim Pinto de Oliveira. Em 1769, Tebas ainda pertencia ao mestre-pedreiro, Bento de Oliveira, mas casou-se em 1762 sob sacramento com Natária Souza.
 
Pesquisadores afirmam, que é provável que Tebas tenha vivido durante certo tempo na condição de liberto condicional, uma vez que era comum haver nas cartas de alforria uma condição que limitava a liberdade concedida, exercida somente a partir de um certo tempo de prestação de serviços para pagar o prejuízo que o proprietário tivera com sua libertação.

 
Cidade sem o metre das pedras
 
Exercendo o seu trabalho como mestre da técnica de entalhar e aparelhar pedras, Joaquim Pinto de Oliveira, realizou obras e reformas na cidade de São Paulo mesmo após a sua alforria.
 
No início do ano de 1811 e a três dias do seu aniversário, Tebas, faleceu aos 90 anos de gangrena (falta de fluxo sanguíneo). Um historiador afirmou que o arquiteto faleceu enquanto participava da construção da Sé, região central de São Paulo. Joaquim Pinto de Oliveira foi velado e sepultado na a Igreja de São Gonçalo, na Praça João Mendes, no centro da capital.

 
No tempo das Igrejas
 
Quando Tebas faleceu, os padres eram os únicos responsáveis por registrar os principais atos civis. Os documentos eram guardamos em igrejas por meio dos grandes livros de anotações. Não haviam documentos únicos. Muitas vezes uma página continha mais de cinco atos, o que ainda dificulta a localização destas ações.
 
 

Anotação de óbito do arquiteto
 
Em 1888, após 77 anos da morte de Joaquim Pinto, as serventias foram instalas em São Paulo. Hoje os atos são únicos, catalogados em índices, digitalizados e facilmente encontrados pelos cidadãos, o que mostra a importante evolução do setor cartorial em São Paulo.

 
Tebas, o arquiteto e urbanista
 
Mesmo sendo o ícone da arquitetura colonial, Tebas só ganhou reconhecimento dos seus trabalhos 200 anos após sua morte. Atualmente, Joaquim Pinto de Oliveira é considerado um contribuinte para a história da arquitetura colonial brasileira.
 
Em 2018, Tebas ganhou o título de arquiteto e urbanista pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP).

 
Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/SP
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