Por: Fernanda Maria Alves Gomes
A Lei nº 14.382/2022 introduziu no artigo 94-A da Lei nº 6.015/73 um novo instrumento jurídico, o termo lavrado diretamente junto aos cartórios de registro civil de pessoas naturais (RCPNs). A novidade foi um importante passo no avanço da desjudicialização, já que mais de 7.000 [1] ofícios da cidadania estão distribuídos pelo território nacional e bem próximos da população. Ao regulamentar [2] o termo declaratório de união estável, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu a qualificação e o preparo técnico dos registradores civis bem como facilitou o acesso do cidadão à formalização jurídica de sua entidade familiar. O novo instrumento público confirma o êxito da cooperação entre o Poder Judiciário e os ofícios da cidadania, que já realizam o reconhecimento voluntário de paternidade, de filiação socioafetiva para maiores de 12 anos, registro de nascimento tardio, alteração de prenome e de sobrenome, retificação de nome e de gênero, certificação eletrônica de data, dissolução e alteração de regime de bens na união estável. Novidades nas atribuições dos RCPNs Aderindo a esse movimento, a proposta de reformulação do Código Civil ampliou as atribuições dos RCPNs, ao estabelecer o procedimento extrajudicial de divórcio unilateral [3], de adoção de pessoa maior de idade [4], de decisão apoiada [5], instituiu o termo declaratório de família parental [6] e manteve o de união estável. Essa iniciativa da comissão é louvável e espera-se que o Congresso a estenda para outros institutos jurídicos conexos ao registro civil e que também podem ter o procedimento facilitado e mais acessível, como por exemplo a emancipação de menores e a alteração do regime de bens no casamento, que para ter eficácia devem constar nos assentos civis. Assim, confeccionado o documento na serventia que deve praticar o ato registral, os efeitos seriam imediatos. Note-se que os ofícios da cidadania já realizam a mudança de regime na união estável [7], podendo ser adotado o mesmo procedimento quando for solicitada pelos cônjuges no casamento civil. Spacca E mais, possibilitando a elaboração de termo declaratório antenupcial ou de divórcio consensual sem partilha, os interessados não precisarão se deslocar a um tabelionato de notas e posteriormente trazer a escritura para o RCPN. Nada mais coerente, ágil e econômico do que formalizar o instrumento jurídico no cartório que tem a atribuição de praticar o ato registral. Equiparação à escritura pública Veja que a intenção do CNJ e do legislador federal foi equiparar o termo à escritura pública, havendo previsão do artigo 550 §6º do Provimento CNJ nº 149/23 para seu ingresso no registro de imóveis, o que também legitima sua inclusão, por interpretação extensiva, no artigo 221 da Lei nº 6.015/73. Ademais, o artigo 167 [8] da Lei nº 6.015/73, que trata do registro e da averbação no cartório de imóveis, não restringe o ingresso à escritura, sendo admissíveis outros tipos de documentos que contenham tratativas sobre convenções antenupciais, alteração de regime de bens ou de nome. Portanto, observando a regra atual do Código Civil, é possível incluir nas atribuições dos RCPNs a lavratura de termos declaratórios que não envolvam direitos reais sobre imóveis: Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Note-se que na reformulação esse dispositivo é alterado, retirando-se a limitação do valor[9], mas não proíbe que outros instrumentos jurídicos tratem de questões diversas do direito imobiliário. Instrumento declaratório dos RCPNs Assim, além dos exemplos já citados, caberia a inclusão na proposta legislativa do termo declaratório: de última vontade, que seria uma nova forma de testamento; de inventário negativo [10]; de dissolução de casamento ou de separação consensual, ambos sem partilha; de restabelecimento da sociedade conjugal; de autorização de uso de material criopreservado [11] etc. Esse instrumento declaratório dos RCPNs seguiria as regras das escrituras públicas, como a assistência de advogado quando houver previsão legal, sendo que a elaboração por um oficial de registro, garante a observância dos requisitos legais, bem como a segurança jurídica e eficácia do ato. Portanto, aumentar as atribuições dos ofícios da cidadania também significa torná-los auto sustentáveis, com o bônus de propiciar para as comunidades mais distantes o acesso à justiça e ao serviço que necessitam, informando e prevenindo litígios, sendo a capilaridade e o alcance dos cartórios de distritos o maior diferencial em relação as escrituras lavradas nos tabelionatos de notas. A comissão de reformulação mostrou o caminho, cabe ao parlamento brasileiro consolidar e ampliar a proposta. [1] https://transparencia.registrocivil.org.br/cartorios [2] Provimento CNJ n. 141/2023 e 149/2023. [3] Proposta do novo código civil Art. 1.619. [4] Proposta do novo código civil Art. 1.619 [5] Proposta do novo código civil Art. 1.783-A. [6] Proposta do novo código civil Art. 9º Serão registrados ou averbados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais: III – a escritura pública de reconhecimento e de dissolução, o termo declaratório formalizado perante o oficial de registro civil, o distrato e a certificação eletrônica de união estável, firmada por maiores de dezoito anos ou por emancipados; IV – a sentença ou a escritura pública de emancipação firmada pelos titulares da autoridade parental; VII – a sentença, o testamento, o instrumento público ou a declaração prestada diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais que reconhecer a filiação natural ou civil; VIII – a sentença que reconhecer a filiação socioafetiva ou a adoção de crianças e de adolescentes e a escritura pública ou a declaração direta em cartório que reconhecer a filiação socioafetiva ou a adoção; X – da escritura pública e termo declaratório públicos de declaração de família parental, nos termos do § 2º do art. 1.511-B e nos limites do § 1º do art. 10, ambos deste Código. [7] Art. 547 do Provimento CNJ n. 149/23. [8] Lei n. 6015/73 Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. I – o registro: 25) dos atos de entrega de legados de imóveis, dos formais de partilha e das sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento quando não houver partilha; II – a averbação: 1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento; 5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas; (grifei) [9] Proposta do novo código civil Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis. [10] Proposta do novo código civil Art. 2.015. [11] Proposta do novo código civil art. 1798 § 2º. é tabeliã e registradora civil em Fortaleza (CE) e mestre em Direito pela UFPe.
Fonte: Conjur | ||
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