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Diretor da Anoreg/SP explica principais mudanças que instrução normativa trouxe nas operações imobiliárias do País

Publicado em: 07/09/2025
A publicação da Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.275/2025, no Diário Oficial da União (DOU) de 18 agosto, marcou mais um momento importante na evolução do sistema de controle, padronização e transparência das operações imobiliárias no Brasil.

A norma, que dispõe sobre a adoção do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e o compartilhamento de informações por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) pelos serviços notariais e de registro, entrou em vigor a partir da data de sua publicação.

De forma geral, a IN trata das obrigações atribuídas aos Serviços Notariais e de Registro pela Lei Complementar n.º 214/2025, relativas ao compartilhamento de informações e documentos sobre operações com bens imóveis urbanos e rurais com as administrações tributárias, por meio do Sinter, e à adoção do CIB como identificador único de bens imóveis.

Entre as principais novidades, a norma estabelece em seu artigo 5º que os serviços notariais e registrais devem adotar o código de identificação único no CIB, no prazo definido na Lei Complementar n.º 214/2025. Esse código deverá constar nos sistemas e documentos lavrados ou registrados.

Ainda conforme o texto, o descumprimento das obrigações previstas será comunicado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e sujeitará o infrator às penalidades determinadas na Medida Provisória n.º 2.158-35/2001, sem prejuízo das sanções aplicáveis pelos órgãos de fiscalização notarial e registral. 

Buscando elucidar as principais questões relativas à Instrução Normativa nº 2.275/2025, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg/SP) entrevistou Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad, diretor da associação, vice-presidente da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp) e 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto. Confira:

Anoreg/SP – Quais mudanças práticas a Instrução Normativa nº 2.275 traz para os Cartórios de Imóveis?

Frederico Assad – A Instrução Normativa RFB n° 2.275 trouxe mudanças significativas para os Cartórios de Registro de Imóveis, alinhando-os às diretrizes da Lei Complementar 214/2025 (parte da Reforma Tributária). Em síntese, a norma impõe novas obrigações operacionais aos cartórios, especialmente no que tange ao compartilhamento de dados com a Receita Federal e à adoção do CIB como identificador único de imóveis. As principais mudanças práticas são:

- Integração com o Sinter para compartilhamento de dados: os serviços notariais e de registro deverão se integrar obrigatoriamente ao Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, transmitindo eletronicamente informações e documentos sobre operações imobiliárias para a Receita Federal e demais fiscos. Isso inclui operações como vendas, locações, arrendamentos, cessões e demais atos onerosos que transfiram ou constituam direitos reais sobre imóveis. A transmissão dos dados deverá ser imediata (em tempo real) após a lavratura ou registro do ato, seguindo padrão técnico definido pela RFB. Em outras palavras, a tradicional Declaração de Operações Imobiliárias (DOI) evolui para um envio automático via Sinter, vinculando diretamente as atividades dos cartórios ao sistema fiscal cadastral do governo; e

- Adoção do CIB: A normativa institui o CIB como código identificador único de cada bem imóvel, urbano ou rural, válido em todo o território nacional. Os Cartórios deverão incluir o código CIB em seus sistemas, escrituras, matrículas e demais documentos lavrados ou registrados, tornando-o parte indispensável da qualificação do imóvel. Esse código funcionará como uma espécie de “CPF do imóvel”, unificando a identificação do bem em todos os órgãos e cadastros envolvidos. Conforme o art. 5º da IN, as serventias têm prazo de 12 meses (estabelecido pelo art. 266, I, “b” da LC 214/2025) para adequar seus sistemas e adotar o CIB nos registros. Após esse prazo, todo ato registral deverá mencionar o código CIB correspondente ao imóvel.

Essas duas mudanças – integração ao Sinter e uso obrigatório do CIB – visam padronizar e centralizar as informações imobiliárias. Na prática, o Sinter passa a ser a plataforma oficial de intercâmbio de dados entre Cartórios, Receita Federal e demais administrações tributárias. O CIB, por sua vez, torna-se o identificador único nacional dos imóveis.

Anoreg/SP – Os Cartórios estão preparados para integrar suas bases de dados ao CIB por meio do Sinter?

Frederico Assad – A implementação dessas exigências representa um desafio tecnológico considerável para os Cartórios de Registro de Imóveis. De maneira geral, embora o setor registral venha passando por uma modernização (com a implantação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis - SREI e a criação do Operador Nacional do Registro - ONR nos últimos anos), a capacidade técnica dos Cartórios é heterogênea. Serventias de grande porte ou localizados em capitais tendem a possuir sistemas informatizados avançados, equipe de TI e acesso à internet de alta qualidade, enquanto serventias menores, em cidades do interior, ainda enfrentam limitações tecnológicas.

Do ponto de vista técnico, também é essencial assegurar a conectividade de internet e segurança da informação. O envio contínuo de dados em tempo real ao Sinter demanda links de internet confiáveis em todas as serventias. Cartórios em regiões com infraestrutura digital precária podem precisar de upgrades em sua conexão. Da mesma forma, a troca de informações sensíveis (dados de proprietários, valores de transações) exigirá conformidade com padrões de segurança e criptografia para prevenir acessos não autorizados ou vazamento de dados.

Como orientação, a unidades de serviço registral precisam atuar como instituição para que haja universalização de procedimentos. Entre as medidas necessárias para a adaptação à nova obrigação da receita federal, os registradores devem promover:

- A atualização/upgrade dos softwares internos para possibilitar a conexão e envio de dados ao Sinter até novembro de 2025, incluindo a instalação de eventuais módulos ou APIs fornecidos pelo governo;

- A inclusão obrigatória do código CIB em todos os registros, escrituras e documentos imobiliários emitidos pelo cartório, adaptando modelos de documentos e campos nos sistemas para conter essa informação;

- A revisão e correção dos dados cadastrais dos imóveis já registrados, assegurando que informações como área, localização, titularidade e valor declarado estejam consistentes, pois esses dados serão compartilhados e confrontados com bases fiscais; e

- O treinamento da equipe e acompanhamento de prazos, com a capacitação de registradores e prepostos sobre os novos procedimentos (por exemplo, como obter/inserir o código CIB, como operar o módulo de transmissão Sinter) e monitorar de perto o cronograma legal, participando de cursos e eventos de capacitação promovidos pelos órgãos competentes.

Apesar dessas orientações, a realidade é que nem todos os Cartórios encontram-se tecnicamente prontos hoje. Os esforços de modernização precisam ser intensificados. Há consenso de que será necessário um suporte institucional contínuo – seja do ONR, associações estaduais, dos Tribunais de Justiça ou da própria Receita Federal – para prover ferramentas padronizadas de integração e auxílio técnico, especialmente aos cartórios menores que não dispõem de equipe de TI dedicada.

Em suma, a capacidade técnica dos Cartórios para integrar suas bases ao Sinter está em construção: já existe uma base digital significativa, porém serão demandados investimentos urgentes em tecnologia e treinamento nos próximos meses para atingir a integração plena dentro do prazo estabelecido.

Anoreg/SP – De que forma essa integração pode facilitar a vida dos cidadãos e empresas que buscam informações sobre imóveis?

Frederico Assad – A integração dos Cartórios ao Sinter, associada ao uso do CIB, tem o potencial de facilitar o acesso de cidadãos e empresas às informações sobre imóveis de diversas formas. Atualmente, quem precisa obter dados completos de um imóvel (por exemplo, para due diligence antes de uma compra, ou para verificar a situação de um bem como garantia em empréstimos) frequentemente precisa consultar múltiplas fontes: a matrícula no Cartório de imóveis, o cadastro municipal (IPTU), cadastros rurais (no caso de imóvel rural, como SNCR/Incra), além de certidões diversas. Com o CIB unificado, essas informações tendem a ficar padronizadas e consolidadas em uma única plataforma nacional.

Em termos práticos, o CIB atuará como um repositório nacional centralizado de informações imobiliárias, integrando dados que antes estavam dispersos em diferentes órgãos e bases de dados. Cada imóvel terá um código único e, a partir dele, será possível acessar os dados essenciais do bem. Isso significa que bastará uma única referência (o código CIB) para que órgãos públicos e, possivelmente, sistemas de consulta autorizados reúnam todas as informações relevantes sobre o imóvel, simplificando a busca e a obtenção de certidões ou dados.

Em resumo, a integração promovida pela IN 2.275/2025 deverá simplificar o acesso e a troca de informações imobiliárias, beneficiando tanto o público em geral quanto o ambiente de negócios. Ao padronizar os cadastros e unificar a identificação dos imóveis, cria-se maior transparência e facilidade para consultar informações, o que reduz a assimetria de informação e aumenta a confiança nas transações envolvendo bens imóveis.

Todavia, não podemos deixar de trazer preocupações sérias sobre a segurança e proteção de dados pessoais dos cidadãos, na medida em que a centralização de dados em um sistema unificado é medida de potencial aumento de risco de vazamentos, que atualmente são limitados pela devida divisão das unidades em circunscrições territorialmente delimitadas.

Anoreg/SP – Essa norma pode contribuir para maior transparência e segurança jurídica nas transações imobiliárias?

Frederico Assad – Sim, a IN RFB nº 2.275/2025 pode contribuir para maior transparência e segurança jurídica nas transações imobiliárias ao promover a padronização de dados cadastrais (via CIB) e a integração de informações com a Receita Federal (via Sinter), o que tende a reduzir fraudes, subdeclarações de valores e inconsistências entre bases públicas.

No entanto, sua eficácia depende da forma de implementação. A obrigatoriedade de uso do CIB nos atos registrais impõe limites à autonomia do registrador, podendo comprometer a independência técnica da qualificação jurídica se não houver coordenação normativa clara. Além disso, riscos operacionais, desigualdades estruturais e conflitos entre normas vigentes (como a DOI e provimentos do CNJ) ainda precisam ser solucionados. Portanto, embora a IN tenha potencial, os ganhos em transparência e segurança jurídica só se consolidarão se forem respeitados os princípios registrais e assegurado suporte técnico-institucional à sua implantação.

Assim, embora o objetivo de integração cadastral seja legítimo, sua implementação exige limites normativos bem definidos, que respeitem a natureza jurídica do registro e preservem sua autonomia decisória. A coordenação entre sistemas não pode implicar absorção funcional do registro de imóveis por cadastros fiscais. O registrador deve manter plena competência para qualificar, recusar ou retificar atos com base em critérios jurídicos próprios, sob pena de comprometimento da segurança jurídica e da própria função pública que lhe é atribuída.

Anoreg/SP – Quais os principais desafios técnicos e administrativos que os Cartórios terão para cumprir a nova normativa?

Frederico Assad – Apesar dos potenciais benefícios, a implementação das obrigações da IN 2.275/2025 acarreta uma série de desafios práticos para os Cartórios de Registro de Imóveis. Esses desafios abrangem dimensões técnicas, administrativas e jurídico-normativas, exigindo esforços significativos de adequação.

Sob o ponto de vista técnico temos que as unidades deverão providenciar a atualização e integração de sistemas para se conectarem ao Sinter e adotar o CIB, o que demanda desenvolvimento tecnológico em prazo exíguo. Muitos sistemas legados terão de ser adaptados, garantindo interoperabilidade com a plataforma da RFB. Será necessário investir em infraestrutura de TI (melhor conectividade, servidores seguros) e assegurar a qualidade dos dados transmitidos. Programas de apoio, como o PID 2025 do ONR, visam reduzir desigualdades tecnológicas, mas a absorção de novas ferramentas (por ex. módulos de envio automático, uso de georreferenciamento) requer treinamento intenso das equipes.

Sob o ponto de vista administrativo, há que se ter por horizonte que poderá haver um aumento de obrigações e rotinas: os Cartórios terão de incorporar novos procedimentos no seu dia a dia, como a geração/validação do código CIB para cada imóvel e o envio imediato de dados a cada ato praticado. Isso representa maior carga de trabalho administrativo, especialmente no início, quando haverá adequação de todos os registros preexistentes com o CIB.

Sob o ponto de visa normativo a introdução do Sinter/CIB deve conviver com obrigações pré-existentes. Atualmente, Cartórios já enviam informações à RFB via DOI e comunicam prefeituras sobre transferências (Exemplo: Provimento CNJ 174/2024). Assim poderá haver duplicidade de obrigações enquanto essas normas não forem harmonizadas. Idealmente, o Sinter substituirá essas comunicações paralelas, mas essa transição precisa ser clara para evitar esforço redundante ou conflito de competências

Não pode ser olvidado ainda que alguns juristas apontam o risco de se criar uma “Babel cadastral” se não houver limites claros para o escopo do Sinter em relação aos Cartórios. É crucial manter o modelo de coordenação e interoperabilidade, e não de assimilação das funções cartorárias por um cadastro unificado. A legislação já estabelece que o CIB não substitui os registros de imóveis nem os cadastros municipais, mas atua como plataforma de integração. Ainda assim, será necessária vigilância para preservar os princípios registrais (publicidade, fé pública, especialidade) dentro do novo ecossistema digital. Além disso, a proteção de dados pessoais e sigilosos deve ser considerada: o amplo compartilhamento de informações imobiliárias precisa observar a LGPD e outras normas de privacidade, de modo a resguardar direitos dos titulares.

Em relação à viabilidade e cronogramas, é importante ressaltar que o desafio é monumental. O Brasil possui milhares de Cartórios de imóveis, e integrar “todas as parcelas do território nacional” num cadastro unificado em tão pouco tempo requer um esforço logístico e técnico sem precedentes. A própria LC 214/2025 escalonou prazos até 2026/2027 para órgãos e municípios se adequarem ao CIB, reconhecendo a complexidade da tarefa. Caso dificuldades concretas impeçam o cumprimento integral no prazo, espera-se que haja diálogo entre os órgãos (RFB, CNJ, ONR) para eventuais ajustes de cronograma ou suporte emergencial, evitando prejuízos ao funcionamento dos serviços registrais.

A necessidade de suporte institucional me parece evidente. Os Cartórios precisarão de orientação normativa clara e de ferramentas técnicas adequadas. O CNJ, como órgão regulador dos cartórios, tem um papel importante em consolidar essas novas diretrizes no âmbito das normas da corregedoria (por exemplo, incorporando a obrigação de incluir o CIB nos atos registrários aos Códigos de Normas estaduais) e em fornecer treinamentos nacionais em parceria com as associações de classe. O ONR, por sua vez, pode atuar como integrador técnico, oferecendo soluções padronizadas de conexão com o Sinter para os cartórios (possivelmente um módulo dentro do próprio sistema do ONR/SREI), aliviando a carga individual de cada serventia desenvolver sua interface. De igual modo, as associações de registradores (IRIB, Anoreg) já estão engajadas em debates e poderão auxiliar disseminando boas práticas e canalizando dúvidas aos órgãos governamentais.

Fonte: Gabriel Dias para Assessoria de Comunicação Anoreg/SP
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